domingo, 14 de dezembro de 2014

Pequenos prazeres das férias

Já mete um bocadinho de nojo a quantidade de fotos que aparecem no facebook de toda a gente! em todas as partes do mundo! (Caraças, não devia existir inveja na vida humana e eu jamais escreveria sobre isto!) México para uns, Brasil pra outros, República dominicana e Cuba para muitos, Tailândia, Nova York e mais não sei quantos destinos.
Enquanto muitos passeiam mundo fora, eu cá o vou construindo dia a dia...

Puzzles - um daqueles prazeres que de tempos a tempos tenho de satisfazer, e este já estava comprado à espera que o começasse desde os velhos tempos do estudo do harrison... O plano é fazer dele um quadro, e depois colocar um pionés a cada país que visitar.

Costura - um outro prazer que fora adormecido pelos ossos do ofício que entretanto foi acordado. São os meus "projectos", como gostamos de lhe chamar cá em casa. Malas, individuais de renda e serapilheira, mais malas para oferecer no Natal...




Filmes e séries - todos quanto possa e goste, todos os dias, noite fora até as 2 da manhã...para no dia seguinte...acordar bem tarde...oh! há quanto tempo!!!!

Ler - já tenho o livro, mas como não me inspirou o prefácio, parei. Tenho de voltar a dar uma nova chance, porque sei que vou gostar. "O Relojoeiro Cego", foi a escolha. Mas acho que por muitos anos que passem, o meu local prefiro de leitura serão sempre as viagens de comboio Espinho - Coimbra.

Procurar casas - hummmm, esse tem um sabor especial. Agora que já sabemos em que hospitais começamos a trabalhar em Janeiro, e eu já sei que ficarei pela Feira, ando a revirar a cidade à procura de um apartamento mobilado, mas missão impossível por preço acessível. Plano B - procurar casa não mobilada e deliciar-me com ideias de "Do it yourself" que há de decoração na internet.

E pouco a pouco, estamos já a meio do mês de Dezembro.
Estou cheia de saudades do ambiente hospitalar.

domingo, 30 de novembro de 2014

O que fica depois... (Parte 2)

Passou pouco mais de uma semana, embora pareça já quase um mês. Às vezes parece que nunca aconteceu ou já foi há anos, talvez um sonho. Desde então, já dei voltas e mais voltas às possibilidades que existem. Admirei várias vezes a lista de especialidades com que posso entrar com a minha nota, acho que na esperança e desespero urgente de me apaixonar verdadeiramente por alguma. Quando parece que posso decidir-me por uma, atacavam-me as dúvidas... 

"Como poderias ir para Psiquiatria se és uma pessoa tão cirúrgica? Sim, é verdade que a complexidade cerebral te fascina, te deixas envolver pelo diferente das pessoas, adoras observar... mas...e o bloco cirúrgico? a sensação de teres começado e acabado alguma coisa numa só manhã?"

"Anestesiologia dizem ser espetacular...tu não sabes, porque não tiveste na faculdade...seria um ambiente cirúrgico como gostas, com a vantagem de estares sentada toda a cirurgia...só tens de dominar completamente um dicionário de fármacos... E se te enganas e em vez de dares atropina dás adenosina? Sabes bem que és meia desléxica, começa tudo por A...E se não foste feita para cirurgia nem para ambientes de bloco porque podes não ter a capacidade de reação rápida, imperativa..."

"Vais voltar a repetir o exame? E se correr pior? Agora ainda tens muitas opções mas se correr pior pode ser que nenhuma te sobre...e cada vez será mais difícil entrar numa especialidade, porque já não há vagas para todos..."

"Não vais viver frustrada toda uma vida, quando fores só a anestesiologista que tira a dor na hora do parto, ou a psiquiatra que trata das depressões pós parto, mas não faz o parto..."


 "Não faças nada, esta nota se calhar vai dar para entrares, porque dizem que o exame foi muito difícil e muitas pessoas tiraram muito abaixo do que tu tens, por isso pode ser que entres..."

Este último magoa mais, é o pior de todos os pensamentos que tenho, porque transmite-me esperança irrealista. 
Em última análise, eu sei que isto não é problema racional, e por mais que analise ou repense, não chegarei a uma conclusão. Isto é um problema emocional: o que eu sinto, o que me faz mais feliz. Sempre tive esta mania de racionalizar tudo, porque o raciocínio diminui a dor. Não sou de todo uma pessoa fria, mas construí esta auto-defesa há muito tempo.

Estive muito envolvida e embutida em mim mesma nesta semana e parecia que nada teria solução...até que ontem foi o grande dia de fazermos o Juramento de Hipócrates - o pai da Medicina. 
O discurso do Bastonário da Ordem dos Médicos foi duro, mas verdadeiro - adorei ouvi-lo. A história de vida que o Bispo Ximenes Belo (Prémio Nobel da Paz em 1996) contou sobre os médicos que foram para Timor, fez com que o mundo parecesse melhor. 
Depois de muitos nomes, chamaram o meu para ir receber a minha cédula profissional, e já não havia tristeza ou medos sobre o futuro. Deve ter sido daqueles poucos momentos em que a mente está livre, vive-se o presente e ali, naquele meu presente, só conseguia ter orgulho do percurso terminado. No final do nosso Juramento, a lágrima no olho e a enorme vontade de começar a trabalhar e continuar a aprender.
Hoje decidi partilhar o que jurei ontem, e dizer que entendi que mais importante que ser isto ou aquilo, será honrar estas palavras, independentemente da especialidade que faça depois, porque foi exatamente por isto que entrei em Medicina...

"No momento de ser admitido como Membro da Profissão Médica:
Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade.
Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos.
Exercerei a minha arte com consciência e dignidade.
A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação.
Mesmo após a morte do doente respeitarei os segredos que me tiver confiado.
Manterei por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica.
Os meus Colegas serão meus irmãos. Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente.
Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade.
Faço estas promessas solenemente, livremente e sob a minha honra.
"

sábado, 22 de novembro de 2014

O que fica depois...

Bem, após mais de um ano a batalhar pelo mesmo, ganhei muitas coisas: uma pele mais seca e caspa, borbulhas na testa, umas linhas de expressão mais marcadas, e a necessidade de voltar a trocar de lentes, no espaço de 6 meses. Perdi dias espetaculares de sol, tive de "dispensar" imensas vezes i meu sobrinho, quando ele me pedia para brincar enquanto eu estava a estudar. Fiz tudo o que sabia e podia para conseguir o que queria - tirar nota para entrar em ginecologia/obstetrícia. Se tivesse de fazer tudo de novo, não mudaria nada.
Ainda assim, e pela primeira vez na minha vida, não consegui essa tal nota. Devo ser uma privilegiada por só sentir isto aos 24 anos de idade...tantas outras pessoas têm uma vida de desilusões.
O que fica depois é uma enorme e esmagadora sensação de choque. Nunca, em dia algum, pensei não atingir o meu 80 ou 90... E porquê? Então as coisas não são lineares? Se nos esforçamos, somos recompensados... Não é assim que funciona com o pai natal? Somos bons meninos, estudamos muito, temos prendinha!
Não, pelos vistos não é assim... Não somos robots programados ao sucesso, "nem mesmo nós", alunos de medicina, de quem todos esperam, até nós próprios, só o melhor. E pai natal sabemos nesta altura todos que não há.
O que fica depois é uma sensação de desorientação. Que é suposto fazer agora? Abdicar daquilo a que chamam "melhor ano das nossas vida" - o ano comum - e passar outro ano a estudar e correr o risco de não conseguir? Seguir em frente e adaptar-me a uma especialidade que eu possa entrar com a nota que obtive? Voltar a pensar na psiquiatria, explorar outras?
Acima de tudo, fica a consciência tranquila, que é a minha melhor amiga agora... Não saberia fazer melhor do que o que fiz.
E se este é um blog onde partilho o que é ser estudante de medicina, este post que agora publico não poderia faltar, não o poderia omitir por vergonha ou o que quer que seja... Esta é a melhor lição de todas - uma nota não nos define.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

É amanhã...

Acabo de acordar e de dizer a mim mesma imensaa coisas que talvez me ajudem a passar melhor o dia... Afinal, apesar de ser dia de exame amanha, hoje o dia é igual aos outros! Temos de estudar com a mesma tranquilidade como se ainda faltassem 3 meses, ou de outra forma, só estaremos a desaproveitar horas de prciosa memória...
Não digo que esteja normal, não estou. Sinto uma constante sensação tipo aperto na garganta e na barriga, mas não podemos impedir o nosso corpo de reagir ao stress, nem sequer natural seria.
A todos os meus colegas, o desejo sincero que consigam alcançar a nota que vos faça feliz, mesmo que não saibam o que seja, mesmo que pensem que seria outra coisa...


terça-feira, 11 de novembro de 2014

palavras de um anjo

Ja queria escrever ha algum tempo, mas para dizer o quê? Ja todos sabem que ando a estudar de manha à noite, nao saio de casa nem para ir dar um jeito a estas pontas horriveis do cabelo (a cabeleireira é mesmo ao lado de casa)...
Pois, escrever de quê se nada de extraordinário acontece?
Na maioria dos dias, na maioria das horas do dia, estou perfeitamente normal e mentalmente saudável. Nem sequer ouso queixar-me da sorte de vida que escolhi para mim... Para quê tambem??? Se ha "mecanismo de defesa do eu" que eu uso com frequencia é a relativização. Nesse contexto, foi óptimo ter visto há uns tempos um documentário sobre a vida nos desertos... Sobre as crianças que têm de percorrer 80km, vários dias de caminhada, para chegar ao poço de água mais próximo. E nós aqui, neste mundo "desenvolvido", vamos queixar-nos de termos de estudar para um exame, vida essa que nós próprios escolhemos??? Não!
Esta teoria é optima, dizia eu, e funciona muito bem habitualmente (experimentem!!!) mas não vos vou iludir - há dias que são uma bost*!!! Estou meeeeeeeeesmo cansada de ler os mesmos slides, uma vez atras da outra atras da outra atras da outra e poderia continuar porque já li mais que 3 vezes!
São nesses dias, que comentarios como o que aprovei hoje fazem a diferença. Pareceu mesmo o universo a cuidar de mim (something like an angel)...estava a chorar quando vi o mail de aviso sobre o comentário que estava a entrar... Ehhhh, isto de ser forte tem os seus "quês" e às vezes lá se chora...

Portanto hoje nao escrevi para partilhar nada que eu tenha feito, mas para agradecer a quem muito fez por mim!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

365 dias depois

Um ano depois do primeiro dia em que peguei nas cópias do harrison, e a praticamente dois meses do exame, fica aquela esmagadora sensação de aperto no peito... O que sei eu após este tempo todo? É tempo de mudar de estratégia ou continuo a ler capítulo após capítulo? Está na hora de deixar de ver a novela à noite? Ainda me posso dar ao luxo de dormir uma sonequinha depois do almoço à espera que o café faça efeito?


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O mundo secreto da biblioteca

Biblioteca do polo 3 de coimbra: todo o estudante de medicina certamente passou por ca algures no seu curso. Ha epocas do ano em que é complicadíssimo arranjar um espaço, e contra as regras, uns guardam lugares para os outros e é tudo uma enorme competição pela luz, por ficar mais perto ou mais longe do ar condicionado, consoante o gosto, e são 9horas e ja esta lotada. São as tipicas epocas de exames. De meados de julho ao final de novembro a biblioteca é da malta do harrison. E este lugar vira ponto de encontro entre os casais apaixonados que têm ambos que estudar, as máquinas de café lucram tanto como em janeiro e junho, apesar de estarem menos pessoas e senhora da biblioteca tem mais companhia. Cada um tem os seu lugar preferido que nao troca de dia para dia, e curioso, todos têm as suas lancheiras, garrafa de água, o mesmo livro à frente e um montão de apontamentos perdidos em folhas soltas - oh falta de imaginação!!!
Em horas muito especificas, o corredor transforma-se em passerele, e o que nao falta é gente a desfilar com as tais lancheiras, ou a carteira para pagar a refeição na cantina aqui do lado! Até nisso temos sorte! Não precisamos afastar-no do estudo muito tempo para comer e são mais tres paragrafos lidos!
O que nunca falta são os olhares disfarçados para se ver onde o vizinho vai! E se já sabe mais que eu?  Sacana, vai escolher uma vaga de especialidade primeiro!!! Faz parte, todo o ser humano tem o seu toque de egocentrismo, todos querem ser o que querem, e nao o que sobrou nas últimas vagas... O melhor talvez seja mesmo sentir que não se está sozinho, e aquele tal sacana que vai à minha frente pode na verdade ser o meu melhor amigo, ou simplsmente uma pessoa simpatica que conhecemos de vista, e que está nesta luta connosco.
No final mesmo, o que realmente conta, é saber que se fez parte deste mundo secreto da biblioteca, e se fez os impossiveis para não ficar o arrependimento da preguiça

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Alimentar o estudo com estudo!

Estive de férias uns poucos dias no final de Agosto. Não sei se isso foi bom ou mau a longo prazo. Não desliguei a 100% das preocupações, porque quando voltasse "já ía ser Setembro", mas ainda assim foi muito bom dar uns mergulhos no rio, dormir a sesta, ver filmes, dormir de novo. Por outro lado, foi bem mais complicado recomeçar. Quando provamos o sabor das férias, não queremos deixá-las escapar-nos das mãos.
Por isso ontem estava especialmente desanimada.
Mas, ao final da noite, surge a esperança ao fundo do túnel. Na próxima 5ª feira estará disponível num site duma daquelas academias dedicadas à preparação do Exame, um modelo de prova para simulação. Isso foi-me o suficiente para querer terminar esta volta antes desse dia chegar (embora seja quase impossível, mas fica a faltar pouco). Serviu para ficar com o nervosinho na barriga, o mesmo que nos ajuda a ser fortes e a continuar, que nos deixa com ansiedade e com vontade de testar os nossos conhecimentos... No dia seguinte recebemos por mail a nossa nota.
Isto vai servir-me para ver muita coisa...para ter uma ideia das matérias onde estou melhor/pior, para testar o stresse e as condições de exame, nomeadamente, estar 2 horas e meia seguidas a pensar, a ler, até completar as 100 perguntas... Vou tentar fazer à hora do exame, às 3h (uma das coisas que acho mais "contra", porque é a hora do soninho...sempre gostei de exames na faculdade às 8h da manha), etc.

Para a semana vou para Coimbra. Faz-me falta nesta fase, durante uns dias pelo menos, estudar na biblioteca de lá, com colegas de faculdade que só conheço de vista mas que sei que estão a estudar o mesmo que eu, com amigos que depois vão ter comigo... Faz-me falta sair um pouco do meu quarto, onde estou todo o dia, exceto às refeições. Já tenho saudades da minha pequena cidade...vou tirar uma folguinha para ir comer de côco um gelado ao Parque do Mondego.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Ordem dos Médicos, estudo e afins...

A novidade das novidades: ESTOU INSCRITA NA ORDEM DOS MÉDICOS! Ou seja,  estou perante a lei capaz de exercer medicina em Portugal, sem autonomia. Isto foi uma enorme realização. Tenho um cédula profissional, um nome clínico e ainda.....uma rubrica oficial! Espetacular!
 Nesse dia, cá em casa o discurso mudou. Dantes eu dizia "ainda não sou médica..." agora digo "já não posso dizer que não sou médica", quando o dever chama e querem "consultas rápidas" grátis.

Entretanto já completei mais outra volta ao harry, e já recomecei...
Difícil difícil é quando chega as 16-17horas, em que há um misto de cansaço com uma determinada claridade pouca chamativa que não sei descrever, as dores de costas acumuladas por ter passado todo o dia sentada, algum desconforto no pescoço por ter a tendência para ter cabeça inclinada quando estudo...e durante esse tempo é um enorme sacrifício continuar.
Há momentos pouco realistas que acho que serei eu a próxima pessoa na história a tirar 100% naquele maldito exame...depois essa ilusão desfaz-se quando resolvo perguntas de anos anteriores e vejo que a minha sabedoria ainda não é tão extensa quanto a das pessoas que fazem os exames...e o cansaço é mais cansativo, o dia é mais pesado, e ausência de férias torna-se realmente evidente e digo-me "deprimida"...
Depois esse estado pessimismo dá lugar ao realismo e é quando tenho noção clara das coisas. A grande maioria dos meus amigos diz que não sabe a especialidade que quer seguir. Dessa gigantesca parcela, quase todos gostam de mais que uma coisa e ainda, gostam de coisas com notas tão discrepantes como medicina geral e familiar e oftalmologia. Quando conversávamos sobre isso, havia em mim sempre uma pontada de ciúmes..."Como era mais fácil se eu também gostasse de muitas coisas!" 
Mas a verdade é que a galinha do vizinho parece sempre melhor que a nossa... Desses muitos amigos que falo, há uns quantos que me dizem "que sorte tens tu de saber tão bem o queres, é mais fácil estudar quando se tem um objectivo!". E eles devem ter razão... Eu sou mais uma abençoada que sabe que precisa de tirar mais de 80% no exame para entrar no que quero! Isso só pode ser benção (excepto em comparação àqueles que querem saúde pública ou MGF no Alentejo, que podem tirar 10%...).
Bem, abençoada ou não por isso, quando às 8h15 toca o despertador em pleno "verão", quando os meus pais me perguntam se eu quero ir à praia e eu digo que não, quando vejo a minha irmã a inventar coisas na costura como eu adoro fazer, quando simplesmente vão todos dormir ao domingo à tarde debaixo das árvores do meu pinhal ou quando às 17h me ataca aquela depressiva, eu canalizo as minhas perspectivas de vida. Penso nas mensagens de força que os meus leitores me deixam, penso que o objetivo que eu tenho de ser ginecologista/obstetra é tão certo e orientado por tão lindos sonhos que não pode ficar só nos sonhos, penso que a minha meta não pode ser um motivo de pressão, mas sim de garra.
Há dias que resulta...há dias que não.

Obrigada pelos comentários carinhosos.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Chamemos-lhe fase "Harrison": é sinal que vai terminar algum dia

Deve ser a primeira vez em tantos anos que me lembre, que escrevo no meu blog estando na biblioteca. Não é de admirar, claro, visto que a maioria das pessoas que ainda estão a estudar por Coimbra são os abençoados "alunos do Harrison". Imaginem só: eu estou incluída!

Depois do último dia de faculdade, do jantar com os amigos e das despedidas das pessoas que só volto a ver em Novembro, depois da emoção da conquista do sonho, fica o quê (por enquanto)? O estudo intensivo...
Nada melhor que uma biblioteca com imensas pessoas na mesma situação que eu. Quando me apetece pirar-me daqui, olho em volto e vejo as caras conhecidas a sublinhar, a desfolhar, com caras de tédio bastante semelhantes à minha e fico logo...vá, com menos vontade de me pirar...

Em casa já montei o meu "estaminé" - completam,ente isolado, sem distrações. Eu e as paredes...

terça-feira, 1 de julho de 2014

SAUDADE

Em Espanha, um dos tutores de cirurgia com quem costumava estar costumava perguntar: "mas a saudade é boa ou má?", palavra para qual muitas línguas não têm tradução directa. E eu dizia: "Sentimos saudade de algo que gostamos e já não temos, por isso é um misto. Se hoje me perguntasse de novo, acrescentaria que "saudade é que o se pode sentir, mesmo quando ainda se tem, só por saber que vai terminar". Saudade é Coimbra.

Nas redes sociais começam agora a aparecer agradecimentos, frases incrédulas sobre o final do curso. E eu incrédula, feliz por terminar também, triste por terminar também, fico assim, meia confusa, meia atrapalhada. Foi em Coimbra que me apaixonei, que fiz amigos que são irmãos, que conquistei pedaços de mim. E são tantas as lembranças que doem e que me fazem sorrir, que é impossível não ter saudade.

Faltam uns meros dias para concluir esta etapa. A emoção é tanta que me dói a garganta de uma forma que só dói quando vou chorar...

sábado, 7 de junho de 2014

VIDA SOCIAL EM MEDICINA?! É POSSÍVEL????...

Em resposta a um leitor, e a várias pessoas que têm este estigma, aqui fica o que a minha experiência me deixa partilhar:

Não é a primeira nem deverá ser a última que alguém me pergunta através dos comentários se "há vida social". Sempre que me perguntam isso fico surpreendida, porque isso revela a imagem que o curso de Medicina transmite à sociedade...Devem pensar que "somos uns marrões, que não namoram, não têm amigos, não falam com a família durante anos seguidos porque não há tempo..."

Bem, é mentira, anyway.
Há sempre pessoas com a descrição que fiz em cima, mas isso há em qualquer curso. Também há sempre pessoas que "não querem saber das notas para nada, que estudam só na véspera do exame...",mas isso, de igual forma, há em todos os cursos do ensino superior.

O importante, e SUPER POSSÍVEL, é encontrar um equilíbrio, como em tudo na vida. Durante o semestre, pode-se perfeitamente sair, namorar, gozar os fins de semana, ver filmes, ir a festas, etc etc etc... SÓ NÃO TEM "VIDA SOCIAL" QUEM NÃO QUER!
Como é óbvio, para chegar a esse tal equilíbrio, e para que não se anda somente a "passear os livros para se dizer que se entrou na faculdade", convém, a meu ver claro, ir estudando durante o semestre... Hoje uma coisa, amanhã outra, umas horas agora e outras depois, com organização e coerência. 
Na chamada "época de exames" sim, morre-se para o mundo! MAS ISSO ACONTECE EM QUALQUER CURSO (pelo menos da área da saúde, que são os cursos de que falo mesmo baseada naquilo que vejo)...
Se vocês, alunos do 12º ano que têm dúvidas sobre isto forem ver a nossa biblioteca do pólo das ciências da saúde nesta época do ano, iriam ver que não há um único lugar livre às 9 da manhã!!! (e a biblioteca abre às 8...) E iriam ver que tem montes de gentes de Medicina, assim como montes de gente de Farmácia!

A época de exames é deveras puxada sim! Temos cerca de 7-9 exames para fazer em 3 semanas, excluindo todas as provas orais que temos de fazer antes da época começar! É mais de um mês de estudo intensivo! Mas depois passa, como tudo e vem mais um semestre novo, com tempo, com possibilidade de diversão...

A TODOS VOCÊS QUE QUEREM ENTRAR EM MEDICINA:
- se realmente gostarem de Medicina, não deixem que isso vos confunda, não deixem que a opinião e comentários negativistas dos outros vos atrapalhem.
- vejam o que vos trás à medicina! É o dinheiro? A garantia já quase falsa de emprego garantido em Portugal? É o suposto estatuto social? Ou é o vosso gosto mesmo? A vontade de contactar com doentes?...
- sejam realistas: não é tão fácil tirar um curso superior como simplesmente ir para a caixa de um supermercado (SEM OFENSA)...vocês vão ter de estudar, seja qual for o curso! Vocês vão ter momentos que não poderão sair! ISSO É GARANTIDO!
- vocês não terminam os vosso "estudo" quando se formam...terão depois de tirar uma especialidade, e isso obrigará a mais trabalho...
- mas, acima de tudo, vocês, se gostam tanto de Medicina, vão adorar o curso na generalidade, vão adorar fazer a diferença na vida de alguém.

Boa sorte a todos!

sábado, 17 de maio de 2014

De Regresso a Coimbra

O sentimento de terminar a oral de cirurgia não foi só o alívio em si "daquela" prova, foi a abastada sensação de liberdade do pensamento: "terminaram as provas do meu curso...dentro de 2 meses sou médica".
Fiz aqueles quilómetros de regresso a Portugal a refletir sobre o impacto real que isso teria.

Quando dei por mim, estava a entrar na semana da Queima das Fitas, aquela que seria a última celebração de mais um ano de curso. A serenata foi mais bonita que o costume, abanar as fitas escritas no final teve outro encanto, o mesmo que eu achei que teria, em cada ano que via os outros colegas mais velhos a terminarem, imaginando como seria quando chegasse a minha vez...
Usar uma cartola e bengala no cortejo foi mágico, foram reconfortantes os abraços daquelas pessoas que estão comigo desde o primeiro dia... Oh! como foi especial cada pessoa que se cruzou comigo! Senti a felicidade genuína em cada triplo de bengaladas e beijinhos que dei e recebi, em cada abraço, nas típicas palavras "felicidades", "boa sorte pra vida", "parabéns"... E ia pensando: "consegui..."

Quando a semana chegou ao fim e regressei à minha vila natal, esse tal impacto foi ainda maior e não pude nem quis fugir à contagem decrescente de dias para o final dos estágios, desta etapa... Agora olhando para trás, adorei cada pedacinho deste curso, cada experiência (as boas e menos boas), cada conquista pessoal que fiz, cada passo. Não chorei na serenata, e não choro ao pensar em tudo quanto vivi, porque sei que apesar de esta tem sido uma etapa maravilhosa, estou preparada para as próximas e sei que serão tão importantes como esta tem sido.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Córdoba #5

Talvez alguém aqui de Córdoba tenha lido o meu blog e tenha percebido que amanhã é o último dia por cá e, generosamente, não quis deixar de me presentear no final.

E como?
Bem, ontem era suposto ir passear ao Jardim Botânico, mas já não estranhamente, estava fechado e como eu, um montão de gente estava aos portões sem perceber como é que um ponto turístico importante como aquele, fecha aos Domingos.

Tudo bem, andei a passear pelas ruas da cidade, mais uma vez, a tentar decidir-me por que recordação compraria para mim. Mal sabia eu o quanto estaria destinada a caminhar nesse dia...

Ao ir para casa, ocorreu-me que seria melhor ver como estava o carro. Foi aí que começou o problema, porque não havia carro!!!! Tinha desaparecido! Eu já só imaginava o meu pai a ter de me vir buscar, ou ter de voltar para Portugal com as minhas 5 malas num comboio... Senti uma pressão no peito que deve ser bem parecida ao que os doentes sentem quando têm um enfarte do miocárdio! Se medisse os níveis de adrenalina ali mesmo, creio que ultrapassava a escala do possível.
A polícia local depois explicou que o carro tinha sido mudado de lugar por eles, porque de manhã houve uma "Romaria" e precisaram da avenida livre. 

"Ah ufffa....o carro foi só arrumado..."
Lá fui eu ao encontro dele no seu novo estacionamento e eis que lhe falta um espelho retrovisor. E qual deles? O esquerdo, exacto, o obrigatório! Caminhei mais umas boas distâncias até chegar à Polícia. Expliquei a situação a um, que me encaminhou a outro e depois a outro. Cerca de 1h e meia depois, estava a agente a preencher o documento de denúncia por danos ao veículo. E provas? Pois, isso já foi mais complicado. Na verdade, isso não foi, que é diferente. Terá sido no reboque, na multidão da romaria por acidente, ou alguém por malícia, que desejava muito ter um espelho de um carro velho??? Eu tenho a minha teoria: eu não deixo de pensar que me quiseram presenciar com esta surpresa, para que nunca me esqueça de não voltar a Córdoba de carro.

Hoje lá levei o carro ao mecânico...devagarinho, sempre encostada à direita e com 4 piscas ligados. Não tardou andar 100 m e já estava a polícia atrás a mandar encostar e a apontar para o lugar do suposto espelho. Lá foram compreensivos e deixaram seguir viagem até à oficina.
Espelho novo: 70 euros, rica despedida.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Córdoba #4

Responsavelmente, fiz por estar em Córdoba na segunda-feira, porque era o ultimo dia de práticas de cirurgia, mas especialmente porque poderia ser que o professor quisesse fazer oral nesse dia. Bem, afinal ele pensava que nos poderia fazer exame até 20 de Maio (não sei onde foi buscar essa desculpa), por isso ainda nem sequer tinha ido buscar os nossos trabalhos à secretária. Trabalhos esses pelos quais nos matamos para entregar antes das férias, pensando inocentemente que assim ele teria mais tempo para os avaliar. Bem, a bem dizer, nem sequer o raio do jurado está confirmado. Disse que ainda tinha de falar com os nossos tutores para saber quando poderiam... (Adorei saber que o meu tutor entrava de férias nesse mesmo dia). 
Por fim, ficou com o nosso número e ficou de nos contactar a confirmar quando seria o dito cujo exame, mas que "à partida será na 3ª feira da próxima semana".
O que foi que eu pensei? "Boa, genial! Andei a deixar a minha família no dia de Páscoa para estar aqui super cedo e agora vou cá passar um semana à espera de uma oral..."

Mas além disso, o que hoje quero mesmo contar-vos é o significado da palavra PROCRASTINAÇÃO (e digo-vos que em Medicina isto não é nada bom!).

Segundo o inteligente Wikipédia, procrastinação é o diferimento ou adiamento de uma ação. Para a pessoa que está a procrastinar, isso resulta em stress, sensação de culpa, etc. Eu não precisaria de ir à net para encontrar uma definição, eu sou a definição!!! mas achei que ficaria mais bonitinho assim. Para quem sabe um bocadito de perfeccionismo, sabe que isso é só mais uma das características das pessoas com este traço de personalidade. "Procrastinam" porque querem que as coisas sejam perfeitas/porque traçam objectivos demasiado exigentes e na iminência de que isso possa não acontecer, adiam os seus afazeres.

Agora vamos adequar isto àquilo que tem sido a minha rotina esta semana "de espera pela oral"...
- Eu levanto-me bem mais tarde do que aquilo que a minha lombar desejaria (cama demasiado tempo para mim = dores musculares).
- Estudo uma ou duas horas...o Harrison...
- Almoço e vejo uma série ou um filme. 
- Estudar de novo, o Harrison...
- Faço o jantar e janto
- Vejo o "kitchen's nightmare" e mais séries ou filmes.
- Deito-me mais tarde do que aquilo que seria de esperar de alguém que se pretende levantar cedo no outro dia.

Onde está o problema? Digamos que o Harrison (nomeadamente a parte de Pneumologia, que é o que ando a ler agora) não tem muito de cirurgia, de adenocarcinoma gástrico, de pre e pos operatorio... 
Eu sei, estou a procrastinar... Detesto orais com todos os meus poros, e nunca me vou habituar a estar a ser avaliada enquanto falo! Tentaram enganar-me quando entrei na faculdade dizendo que só a oral de anatomia, a primeira, iria custar...Estou a terminar o 6º ano e continuo a sofrer desgraçadamente com elas, em parte porque estabeleço objectivos irreais para as classificações a obter (pensamentos do género..."quero ficar com 18 a cirurgia..." é tipo...cómico, entendem? Surreal!)... Por outro lado, sofro por falta de confiança, por medo de desiludir as expectativas (especialmente as dos outros), porque "sei lá bem o que vão ficar a pensar de mim...". A propósito disto, sempre foi astronomicamente mais difícil para mim fazeres exames orais em frente aos meus colegas do que só com professores...se esses colegas fossem amigos ou conhecidos, ainda pior. Louvada sejas FMUC! que só me fizeste passar por essa experiência umas 3 vezes durante o curso (engraçado, sempre a anatomia...)

Agora que já o confessei, pode ser que consiga finalmente começar a estudar cirurgia...dizem que o primeiro passo da psicoterapia é admitir que se precisa dela...

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Córdoba #3

O tempo de erasmus está a terminar. Dia 21 de Abril será o último dia de estágio e depois é esperar para saber em que dia faço o exame oral de cirurgia. Depois disso, terminou o estágio e esta etapa espanhola.

Vim passar as férias de Páscoa a casa.
A minha família fez bem as coisas, de forma a deixar-me a acreditar que a minha irmã não estaria para jantar comigo. Tive nessa esperança até à ultima, mas finalmente acreditei quando não vi o carro dela estacionado em minha casa. 
Mas quando estava a subir as escalas, veio meio metro de homem, se calhar nem isso, a caminhar sozinho, com um enorme sorriso e um "olá" tão perfeito que pareceu treinado. Na porta de casa espreitou outro rosto familiar. Estava feito, conseguiram pôr-me com as lágrimas nos olhos! O meu afilhado estava já a caminhar, vejam só! Senti que estive fora uma eternidade...

Felizmente, esta semana passou devagar, no seu ritmo normal, mas devagar como deve ser quando estamos longe demais, tempo demais.
Amanhã, no entanto, é dia de voltar a Coimbra. Domingo bem cedo, parte-se de novo para terras espanholas. Quando voltar, é de vez.

sábado, 15 de março de 2014

Córdoba #2

Finalmente o bom tempo tem dito olá" e uns agradáveis 21 graus já deixam desfrutar de um pouco mais da cidade que a antiga chuva. Por isso, e porque entretanto já passou mais um mês, tenho investido algum tempo em caminhadas pela cidade, pelas ruas estreitinhas da parte velha... Dica para quem pretende cá vir: ver na internet em que dias/horas há descontos, porque é um desperdício de dinheiro não o fazer. Por exemplo, o Alcázar dos Reis aos domingos custa 7 euros/pessoa, de 3ª a 5ª de manha é grátis...

Entretanto o estágio de Pediatria já terminou e fomos dispensados de fazer exame teórico (graças a todas as estrelinhas do céu). Começou esta 5ª-feira o estágio de Cirurgia, o segundo e ultimo a se fazer por cá. Não me parece que a avaliação vá ser muito fácil... Tenho de fazer um trabalho gigantesco (os colegas falaram em 60-80 páginas, e tem de incluir fotos de cirurgias e cenas assim meias esquisitas que nunca meti num trabalho antes). Além disso, tenho no final uma prova oral, com 3 professores/médicos, que vão adorar fazer-me perguntas para saber se fui mesmo quem fez o trabalho, se realmente aprendi alguma coisa prática durante os dias de estágio e com sorte, um pouco de matéria teórica. Continuo a pensar que qualquer coisa é melhor que a terrível avaliação que se faz no estágio de cirurgia lá prós lados de Coimbra... Independentemente da nota final que tenha neste estágio, das calinadas que dizer na oral espanhola, das dificuldades que possa ter em organizar o meu trabalho ou das dores de coluna e pernas nas horas em que estou a assistir às cirurgias, tudo compensa no final de cada dia, disso tenho a certeza.

Entretanto, o estágio começou com a promessa de ser bastante prático, à semelhança do que aconteceu com Pediatria, e achei isso formidável, visto que é suposto o 6º ano ser "profissionalizante". No primeiro dia, estava eu a assistir a uma tiroidectomia, quando o cirurgião me chamou para a  mesa e lá fui eu, nervosa e cheia de expectativas, desempenhar o papel de 2º ajudante. Tudo tem a seu lado agridoce, e não pude escapar a umas perguntinhas, mas nada que me tivesse sequer perturbado. 
Há uma coisa que tenho descoberto e tenho adorado em relação a isso: é que aqui é muito mais fácil errar. Não sinto vergonha de não me lembrar das coisas, não rezo para não me chamarem mesmo quando penso saber a resposta, não me inibo. Aqui eu participo sem me perguntarem, faço todas as perguntas que considero oportunas, fico super feliz se um cirurgião me faz uma pergunta, porque sei que jamais me irei esquecer da resposta. É mais fácil não nos inibirmos quando não conhecemos ninguém, quando não temos nada a provar.
No exemplo concreto desta cirurgia, quando fui chamada automaticamente pensei: "ok, de certeza que ele vai fazer perguntas de anatomia ou algo assim e eu já não me lembro de quase nada do pescoço...". Mas depois o habitual pensamento ruminativo deu lugar a outro: "oh, o quê que isso importa??? Vou pra mesa ajudar! Vai ser brutal! E vou aprender de certeza!!!!" 
No dia seguinte já não tive tanta sorte, éramos 5 alunos num só bloco e uma cirurgia por via laparoscopica, por isso o tempo foi passado a olhar para o ecrã e dar comigo bem longe daquele gastrectomia vertical. Na verdade, raríssimas são as vezes em que entro num bloco e não imagino imensos e variados cenários de cesarianas, de cirurgias uterinas... e sem pensar, somente sentindo, percebo que em mim está gravado "eu não quero ser médica, quero ser cirurgiã", mas que isso, "eu quero ser ginecologista-obstetra..."

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Córdoba #1

Apesar de ter sido super bem acolhida na casa onde estou a viver com outros jovens, e apesar de conhecer a língua espanhola relativamente bem, ainda assim não pude deixar de sentir diferenças, um certo choque. 
Estava claramente mal habituada. Passei de uma residência universitária onde vivia com mais 20 raparigas, com uma cozinha enorme completamente equipada e 5 wc's e uma lavandaria com 3 máquinas de lavar, para uma casa com poucos metros quadrados, onde a cozinha é tão diminuta que 2 pessoas já é demais, e o único pequeno wc que existe é partilhado por 4 pessoas. Senti-me ligeiramente claustrofóbica.
A primeira semana passou devagar, porque não havia objetivos. Cada dia tinha a sua própria liberdade. Aproveitei para fazer uso da biblioteca da faculdade e adiantar um pouco o estudo, fui visitar Granada e a Sierra Nevada e não me dediquei mais à exploração de Córdoba porque foram poucas as horas que não choveu.
Depois a 2ª feira finalmente chegou e senti-me como se fosse para o primeiro dia da escola primaria. Tantos "ses" e expectativas...
Os meus novos colegas espanhóis revelram-se ao longo dos dias pouco afáveis, tirando unas raras excepções. A rapariga com quem mais falo (e são apenas uns minutos de conversa antes de começar a sessão clínica das 8h30 no hospital) é ERASMUS também...ou não fosse a força das circunstâncias unir as pessoas. As restantes, com o seu grupo de amigos tão bem definidos, assim ficam. Mas tudo bem, adaptei-me facilmente a essa nova situação.
Fomos distribuídos aleatoriamente  pelos diversos serviços de Pediatria, e eu fiquei na Medicina Intensiva Pediátrica. O primeiro implacto foi...formiga-like. Não conhecer ninguém, estar sozinha no serviço sem outro aluno, e ainda por cima numa intensiva. A minha rotina matinal inclui levantar as 7h, sair às 7h45min, caminhar até ao hospital cerca de 35 minutos, assistir à sessão clínica das 8h30-9h30, subir até à intensiva, outra reunião de serviço das 9h30 às 10-10h30 e depois começamos a ver as crianças e a fazer o que é necessário até às 13h. Era aqui que queria chegar, à parte de existir uma reunião de serviço na intensiva:
- Primeiro dia: fiquei exausta. Tive o tempo todo a fazer uma enorme esforço para tentar decifrar o que diziam, porque falavam tão rápido aqueles termos médicos todos que em português já não são fáceis... Dava por mim com o cérebro desligado de 5 em 5 minutos e voltava a obrigar-me a estar atenta, a tentar ouvir e traduzir o que se falava...
- Segundo dia: parecia que o espanhol já era a minha segunda língua! Já não me custava nada, era directo... 

Ao longo dos dias da semana que passou e esta, fui criando mais confiança com as pessoas do serviço e ficando cada vez mais à vontade. Estou a gostar imenso. É incrível o quando se pode aprender, bastando mudar o cenário... Eu não gosto particularmente de Pediatria e era daqueles estágios que não queria nada fazer... Mas mudando esse tal cenário, não me importo de me levantar cedo todos os dias, porque sei é que vai interessante, muito prático, muito interactivo. O médico meu tutor é super bom professor, faz imensas perguntas, explica tudo, faz com que me sinta inteirada da situação. Os internos de especialidade que por lá andam são todos super simpáticos e acolheram-me bem. Em termos de experiência "profissional", não poderia estar a gostar mais. 
Entretanto também já deixei de me sentir claustrofóbica...o meu quartinho é o meu larzinho pequeno e sinto-me bem aqui.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Chegada a Córdoba

Após 7h longas horas de viagem, e ainda o prejuízo de ao entrar em Espanha se contar mais uma, e mais aqueles 45 minutos de voltas pela cidade, sem saber como encontrar a nossa casa alugada, e eis que...chegamos a Córdoba e à nova casa. Depois foram mais umas 3 horas de arrumações. Um carro repleto que teve de se arranjar num armário de roupa pequeno. Não vale a pena dizer que houve roupa que foram para debaixo da cama em malas...
O jantar foi devorado...já não se comia desde as 13h?! Woow... E depois, por mais interessante que o filme fosse, não havia cansaço que resistisse e lá se fechou os olhos...até hoje.

Agora com mais calma e menos cansada, já posso contar com pequenos e salpicados detalhes como são as coisas por cá.
- As ruas estão repletas de sentidos obrigatórios irritantes, que nos obrigam a ir para zonas opostas à pretendida!
- Não há estacionamento grátis assim fácil...ooooh fácil! Hoje andamos 1 hora para conseguirmos estacionar o carro, e eu diria que, a um quilometro de distância de casa.
- Frutas e legumes, mas especialmente a carne e o peixe, são mais caros que em Portugal. Deixamos 20 euros no carrefour por meia dúzia de coisas para uma humilde sopa e umas poucas refeições de proteínas. Agradeço aos meus sábios pais, que insistiram para que trouxesse tudo quando o carro suportasse... desde a batataria de um quintal inteiro, cebolas aos quilos, massas de todas as cores e tamanhos e arroz de várias qualidades, aos insubstituíveis enlatados e especiarias...
- Choveu praticamente todo o dia, o que não foi certamente a melhor forma de receber os estrangeiros! Um guarda-chuva para dois e deu em partilhar uma molha que poderia ser só de um.
- O pessoal da serviço de intercâmbio da faculdade recebeu-nos muito bem. Falaram a um bom ritmo espanhol para entendermos e tratamos de toda a papelada necessária. Vamos começar por pediatria, como já supúnhamos, e vamos ter de fazer urgências, de dia ou noite"...uuuui, que bom! Adoro saber que vamos ter de sair de casa com o calor que faz em Córdoba para ir para a urgência... -.-
- A nossa colega de casa é muito simpática. Deixou-nos extremamente à vontade e foi muito colaborante. A casa situa-se no centro histórico da cidade, onde as ruas são ruelas de 2 metros de largura. Tipicamente espanhol, os apartamentos têm uma entrada comum para um pátio privado, como os claustros de um convento. A casa em si é pequena, estreitinha mas não lhe falta nada (excepto a torradeira, que compramos hoje, ou não se adorasse comer torradas em Portugal!).

=)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Estágio de Psiquiatria - continuação

Há 2 anos atrás, o meu professor de Psiquiatria e conceituado membro da Faculdade de Medicina disse-me, depois de eu ter feito uma pergunta qualquer que não me recordo, que "é assim que vê que há pessoas que têm jeito para ser psiquiatras..." Aquele comentário surpreendeu-me tanto a mim como a todos os colegas, que se voltaram para trás e devem ter pensado algo tipo: "quem? ela? a sério, psiquiatra? -.- "

No ano passado a minha tutora de tese de mestrado, psicóloga e investigadora, disse-me: "você gosta de pensar nas coisas...dava uma boa psiquiatra..."

Hoje, a minha tutora do estágio disse que era uma pessoa "engraçada", e não estava a referir-se só ao meu humor. Explicou que eu "era uma pessoa leve, que quando se vê chegar se vê leveza". Que "faço perguntas, procuro saber como se faz, e depois lá vou eu sozinha, independente e organizada." E depois acrescentou: "mas com a convivência se percebe que há muito mais, você (dizia ela) reflecte sobre as coisas, gosta de pensar..." Todo o seu discurso terminou em "você dava uma excelente psiquiatra".

Não sou perdidamente agarrada pela ideia de destino, mas gosto de pensar que a vida nos dá pequenos sinais. Talvez não seja bem isso na verdade. Talvez seja apenas a nossa forma de ver as coisas, talvez seja uma atenção especial. Sim, isso. Se estivermos especialmente atentos às emoções do dia-a-dia, às reacções que temos, à forma como reagimos ao mundo, à forma como a nossa personalidade se tempera em cada situação, vemos que há discretos acontecimentos que nos causam maior impacto, que há lugares e pessoas onde parece que pertencemos, ao ponto de parecer que nos transmitem alguma mensagem.
Criei uma gaveta mental para o tema "ser psiquiatra". Pequenos comentários relacionados, os sorrisos dos meus doentes, tudo que me parecem "sinais" está a ser colocado nessa gaveta. É incrível como ela se tem vindo a encher com rapidez e como isso de certa forma de preenche.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Estágio de Psiquiatria

Para quem conhece um pouco todas as teorias e definições que estão por trás da Psiquiatria, sabe que toda a parte teórica é deveras interessante. As teorias da personalidade, as antigas premissas criadores da psicanálise de Freud, etc etc etc... É incrível como acontecimentos da nossa infância podem afetar os adultos que vimos a ser, é incrível a neurobiologia que está por detrás de uma depressão, e que faz com a depressão de uma pessoa possa ser completamente diferente da de outra... Enfim, pelo menos a mim, tudo isto me fascinou e nunca faltava a uma aula de Psiquiatria.
Mas assustava-me a parte prática da questão. Como seria conversar com um esquizofrénico ou com um psicótico? Como seria conversar com alguém que diz que se quer suicidar, ou que vive a pensar que pode fazer mal a si próprio ou aos outros?.. Enfim, apesar de fascinante, achava que a Psiquiatria era talvez muito "negra", talvez só tratasse o lado mais cinzento das pessoas... Como poderia eu gostar tanto desta especialidade, e ao mesmo tempo adorar Obstetrícia, que contacta com a vida no seu melhor, que o choro de bebes complemente inocentes e "brancos"?! E seria verdade o que dizem, que todos os Psiquiatras são meios loucos também?

Bem, estou há 2 semanas no estágio de Psiquiatria. Verdade seja dita, não acho que seja o serviço mais organizado e mais cooperante que já conheci, mas ainda assim, e em termos de "especialidade", tenho vindo a gostar muito. Desmitifiquei muitos conceitos errados:
- os Psiquiatras não são nem mais nem menos loucos que todos os outros médicos, nas mais diversas especialidades. Pessoas "especiais", chamemos assim, podemos encontrar em qualquer lugar, e naquele serviço, para grande surpresa minha, são muuuuuitas mais as pessoas que chamaríamos de "normais" do que de "esquisitas".
- os doentes não são tão negros nem os seus problemas são tão cinzentos quanto aquilo que eu supunha. São pessoas sofridas, isso sim, mas todas extremamente simpáticas, gratas pela mínima ajuda que receberem. Já conheci alcoólicos com mais de 20 anos de consumo e toxicodependentes de uma vida inteira, que saem do internamento sem qualquer sintoma de abstinência, sem qualquer vontade de voltar a consumir, com planos reais de reconstrução de vida. Já vi esquizofrénicos serem internados compulsivamente, e saírem complemente estabilizados, com a promessa de uma vida tranquila, graças à intervenção no seio da população da Psiquiatria Comunitária... Já li cartas de pessoas que se queriam suicidar... Posso dizer-vos que não trouxe para casa os seus problemas, mas os seus sorrisos. Posso agora perceber que lado negro, todos temos, e que isso não me afeta assim tanto como eu pensei que afetasse. (E perdoem-me os "rótulos" aplicados nesta descrição, desde "alcoólicos" a "esquizofrénicos"; é apenas para simplificar o texto).

Entretanto o estágio também já vai a meio. Estágios de um mês passam a voar...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

2014

Até há umas horas atrás, dizia que o "para o ano" isto e aquilo... É fácil cair na armadilha do tempo, e achar que o próximo ano trará melhores aventuras e será mais cheio que o exacto momento em que estamos a pensar isso... É muito fácil, pelo menos para mim, viver no futuro.

Depois um último segundo faz um novo ciclo começar e é oficial que nos possamos despedir de um inteiro ano. Para mim, 2013 não poderia ter sido melhor, a 5 minutos do seu fim reflecti um pouco sobre as coisas mais marcantes que aconteceram, as coisas que mudaram para sempre a minha vida, a minha família. Sem dúvida a mais magnífica em todos os termos da palavra foi o nascimento do meu afilhado, foi ter assistido ao seu primeiro choro de vida. Vê-lo crescer tem sido um privilégio.
Depois temos o final do 5º ano e o inicio do 6º, com a enorme recompensa e aventura do interrail. Sair de Portugal para visitar aquelas 5 cidades foi....tão especial que às vezes me parece que foi tudo um sonho. Mas não foi, lembro-me bem das ruas de Roma, do mau tempo de Londres, de tudo da Suécia.
Escrevi uma tese de Mestrado e defendi-a. Tirei mais um nível de espanhol. Candidatei-me ao ERASMUS e entrei. Iniciei a minha "carreia" científica. Perdi o medo do inglês. Desenvolvi mais um pouco o gosto pela leitura. Derrotei medos que guardava desde a mais tenra infância, percebendo de onde vinham. Aprendi a guardar um amigo, mesmo à distância. Percebi que Coimbra tem muito de mim. Desenvolvi mais um pouco o dom da tolerância. Meditei muitas e muitas vezes sobre mim própria. Mudei de religião. Cresci mais um bom bocado.

Poderia continuar, mas há toda uma vida pela frente, neste exacto momento.
Lá fora já é noite e a minha casa hoje encheu-se com a família mais próxima. Somos só 7, mas é assim que eu gosto de passar o ano, com um brinde de coca-cola e de pijama, à lareira, com eles... Gosto que a primeira coisa que se faça no ano seja dar um beijo a cada elemento, e desejar-lhe o melhor que a vida lhe puder dar. Gosto muito da nossa simplicidade.
Adoro pensar que já não é "para o ano" que muitas coisas novas vão acontecer, é já "este" ano... É daqui a um mês que vou para Espanha, é este ano que vou usar a cartola e bengala na queima das fitas, e me chamarão de "finalista". É este ano que me vou despedir da vida de estudante de universidade, quem sabe de Coimbra. É este ano que faço o exame que decidirá que rumo darei à minha vida profissional... Adoro pensar em tudo isso e saber que vou sentir saudades de dias como o de hoje, em que chove tanto e se está tão quente aqui dentro debaixo de mantas a ver filmes e a comer doçuras, que é melhor aproveitar ao máximo cada minuto de hoje.