segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O rodopio da escolha - A decisão

Há quem diga que o silêncio em certos momentos, é o melhor conselheiro da vida. Fiz silêncio durante estes dias para deixar o coração gritar em privado.
Tentar descrever-vos o que foi ter de escolher a especialidade não vai ser tarefa fácil, porque acho que serão poucas as palavras que podem dar-vos a imagem do ambiente vivido, da forma como estão as pessoas - de como estava eu -, a forma como tudo se processa. Ainda assim, vou tentar.

Os dias antes de eu escolher foram uma falsidade de concentração e alegria. Lá se tenta não pensar naquilo, dizia eu a mim mesma "só vais ver as vagas no final da manhã".."ou no final da tarde..". "Não serve de nada..." Aos olhos alheios estamos normais, a vida vai como sempre, mas por dentro não é assim. E pouco a pouco, mais uma vaga que gostava era escolhida, e mais outra, mas ainda haveria para mim uma!
O "tal" dia chegou e se há coisas para que servem escolher a especialidade, uma delas é ser dispensado do trabalho nesse dia, para "pensarmos". Fiquei em casa então a aproveitar não ter de acordar as 7h da manhã, a limpar, a passar o tempo, a "tentar não pirar" da cabeça. Quando esse tal dia chegar para vocês, se for o caso, cuidado, porque parece que o trânsito é mais e nenhum carro se mexe e há mais acidentes que no resto dos outros dias todos!!
Levava comigo a minha listinha de preferências por ordem, como todos recomendam, "porque lá não se sabem tomar decisões". E muito menos eu, que sou tão indecisa. Ainda tive tempo de telefonar as amigas mais especiais à procura de uma última luz. Qualquer coisa, só para saber se estava certa, só para não estar junto dos outros candidatos todos, os que já escolheram, os que estão à espera e são primeiro que eu, os que estão à espera a rezar para eu e as outras pessoas que estão antes deles, não escolherem a sua vaga.
O enorme problema deste ano é que não houve vagas para todos os médicos que terminam agora o Ano Comum. Isso fez com que as especialidades fechassem com notas superiores aos esperado. A famosa Coimbra, que onde Psiquiatria fechava na ordem dos 55%, fechou este ano nos 68%...E pouco a pouco, mais vagas se fechavam.
Quando finalmente chegou a minha vez, olhava para o meu papel e já todas as vagas de Psiquiatria que eu tinha em hipótese escolher, já tinham sido escolhidas. Ficavam zonas do país para as quais eu não estava disposta a ir. Quando me sentei em frente à senhora responsável e ela me perguntou: "Então doutora, o que vai ser?" eu respondi: "MGF" e chorei como eu acho que nunca ninguém deve ter chorado naquela sala... Foi a vergonha nacional! Às vezes adorava conseguir ser menos transparente.

Chorei naquele momento, depois e nos dias seguintes. Repensei mil vezes se não deveria ter ido para as tais zonas do país onde não queria estar. Revivi aquele momento mil vezes e não encontrava paz. Chorei com a mesma vontade, o mesmo desespero, que chorei a primeira vez, quando terminei de corrigir o meu exame, há um ano atrás. A mesma sensação de injustiça em relação à minha nota/esforço. Chorei por não saber se o meu marido conseguiria entrar no que ele queria, perto de mim.
MGF estava na minha tal listinha de preferências que levei comigo naquele dia e durante este ano pensei várias vezes nisso. Foram muitas as vezes que pensei que iria sentir saudades da parte mais médica, mais objectiva, em prol da subjectiva da Psiquiatria, como fui partilhando aqui. Mas não tive tempo de digerir em minutos o facto de alguém, poucos lugares acima de mim, ter escolhido a ultima vaga de Psiquiatria que eu gostava. Pareceu-me como uma derrota, ali tão perto de mim e eu não a ter conseguido agarrar.

Já faz dias que não choro, nem tenho vontade disso e me sinto optima. Neste tempo, em que estive em silêncio, o meu marido escolheu a especialidade dos sonhos dele, mesmo ali ao lado da minha futura USF. Foi aí que a alegria começou a ser outra. Agarrei-me ao que tenho, ao que conquistei e às possibilidades do futuro. Fui conhecer a minha USF e orientada de especialidade, e fui super bem recebida. Ponderei repetir exame, enfim, ponderei tudo, mas aos poucos fui colocando essa hipótese mais de lado (embora não esteja arrumada). Ao repetir exame, voltaria a entrar na especialidade apenas em Julho de 2017...parece-me demasiado tempo sem exercer medicina. E fará sentido mudar de especialidade sem sequer ainda ter experimentado à séria o que isto de ser médica de família? Aos poucos as incertezas deram lugar à vontade de ser a melhor médica das redondezas. Hoje sei que não foi sequer uma luta, foi o acaso aquele colega ter escolhido o que escolheu.

Isso é mais difícil de digerir neste processo todo - não estamos dependentes de nós mesmos..não é um exame. Estamos dependentes das escolhas de quem está a nossa frente e é como a causa-efeito "do bater das asas da borboleta". A minha decisão influenciou a escolha de outros e assim sucessivamente, até entrar o acaso, até entrar o azar e a sorte, o destino, quem sabe.