quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Estágio de Psiquiatria - continuação

Há 2 anos atrás, o meu professor de Psiquiatria e conceituado membro da Faculdade de Medicina disse-me, depois de eu ter feito uma pergunta qualquer que não me recordo, que "é assim que vê que há pessoas que têm jeito para ser psiquiatras..." Aquele comentário surpreendeu-me tanto a mim como a todos os colegas, que se voltaram para trás e devem ter pensado algo tipo: "quem? ela? a sério, psiquiatra? -.- "

No ano passado a minha tutora de tese de mestrado, psicóloga e investigadora, disse-me: "você gosta de pensar nas coisas...dava uma boa psiquiatra..."

Hoje, a minha tutora do estágio disse que era uma pessoa "engraçada", e não estava a referir-se só ao meu humor. Explicou que eu "era uma pessoa leve, que quando se vê chegar se vê leveza". Que "faço perguntas, procuro saber como se faz, e depois lá vou eu sozinha, independente e organizada." E depois acrescentou: "mas com a convivência se percebe que há muito mais, você (dizia ela) reflecte sobre as coisas, gosta de pensar..." Todo o seu discurso terminou em "você dava uma excelente psiquiatra".

Não sou perdidamente agarrada pela ideia de destino, mas gosto de pensar que a vida nos dá pequenos sinais. Talvez não seja bem isso na verdade. Talvez seja apenas a nossa forma de ver as coisas, talvez seja uma atenção especial. Sim, isso. Se estivermos especialmente atentos às emoções do dia-a-dia, às reacções que temos, à forma como reagimos ao mundo, à forma como a nossa personalidade se tempera em cada situação, vemos que há discretos acontecimentos que nos causam maior impacto, que há lugares e pessoas onde parece que pertencemos, ao ponto de parecer que nos transmitem alguma mensagem.
Criei uma gaveta mental para o tema "ser psiquiatra". Pequenos comentários relacionados, os sorrisos dos meus doentes, tudo que me parecem "sinais" está a ser colocado nessa gaveta. É incrível como ela se tem vindo a encher com rapidez e como isso de certa forma de preenche.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Estágio de Psiquiatria

Para quem conhece um pouco todas as teorias e definições que estão por trás da Psiquiatria, sabe que toda a parte teórica é deveras interessante. As teorias da personalidade, as antigas premissas criadores da psicanálise de Freud, etc etc etc... É incrível como acontecimentos da nossa infância podem afetar os adultos que vimos a ser, é incrível a neurobiologia que está por detrás de uma depressão, e que faz com a depressão de uma pessoa possa ser completamente diferente da de outra... Enfim, pelo menos a mim, tudo isto me fascinou e nunca faltava a uma aula de Psiquiatria.
Mas assustava-me a parte prática da questão. Como seria conversar com um esquizofrénico ou com um psicótico? Como seria conversar com alguém que diz que se quer suicidar, ou que vive a pensar que pode fazer mal a si próprio ou aos outros?.. Enfim, apesar de fascinante, achava que a Psiquiatria era talvez muito "negra", talvez só tratasse o lado mais cinzento das pessoas... Como poderia eu gostar tanto desta especialidade, e ao mesmo tempo adorar Obstetrícia, que contacta com a vida no seu melhor, que o choro de bebes complemente inocentes e "brancos"?! E seria verdade o que dizem, que todos os Psiquiatras são meios loucos também?

Bem, estou há 2 semanas no estágio de Psiquiatria. Verdade seja dita, não acho que seja o serviço mais organizado e mais cooperante que já conheci, mas ainda assim, e em termos de "especialidade", tenho vindo a gostar muito. Desmitifiquei muitos conceitos errados:
- os Psiquiatras não são nem mais nem menos loucos que todos os outros médicos, nas mais diversas especialidades. Pessoas "especiais", chamemos assim, podemos encontrar em qualquer lugar, e naquele serviço, para grande surpresa minha, são muuuuuitas mais as pessoas que chamaríamos de "normais" do que de "esquisitas".
- os doentes não são tão negros nem os seus problemas são tão cinzentos quanto aquilo que eu supunha. São pessoas sofridas, isso sim, mas todas extremamente simpáticas, gratas pela mínima ajuda que receberem. Já conheci alcoólicos com mais de 20 anos de consumo e toxicodependentes de uma vida inteira, que saem do internamento sem qualquer sintoma de abstinência, sem qualquer vontade de voltar a consumir, com planos reais de reconstrução de vida. Já vi esquizofrénicos serem internados compulsivamente, e saírem complemente estabilizados, com a promessa de uma vida tranquila, graças à intervenção no seio da população da Psiquiatria Comunitária... Já li cartas de pessoas que se queriam suicidar... Posso dizer-vos que não trouxe para casa os seus problemas, mas os seus sorrisos. Posso agora perceber que lado negro, todos temos, e que isso não me afeta assim tanto como eu pensei que afetasse. (E perdoem-me os "rótulos" aplicados nesta descrição, desde "alcoólicos" a "esquizofrénicos"; é apenas para simplificar o texto).

Entretanto o estágio também já vai a meio. Estágios de um mês passam a voar...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

2014

Até há umas horas atrás, dizia que o "para o ano" isto e aquilo... É fácil cair na armadilha do tempo, e achar que o próximo ano trará melhores aventuras e será mais cheio que o exacto momento em que estamos a pensar isso... É muito fácil, pelo menos para mim, viver no futuro.

Depois um último segundo faz um novo ciclo começar e é oficial que nos possamos despedir de um inteiro ano. Para mim, 2013 não poderia ter sido melhor, a 5 minutos do seu fim reflecti um pouco sobre as coisas mais marcantes que aconteceram, as coisas que mudaram para sempre a minha vida, a minha família. Sem dúvida a mais magnífica em todos os termos da palavra foi o nascimento do meu afilhado, foi ter assistido ao seu primeiro choro de vida. Vê-lo crescer tem sido um privilégio.
Depois temos o final do 5º ano e o inicio do 6º, com a enorme recompensa e aventura do interrail. Sair de Portugal para visitar aquelas 5 cidades foi....tão especial que às vezes me parece que foi tudo um sonho. Mas não foi, lembro-me bem das ruas de Roma, do mau tempo de Londres, de tudo da Suécia.
Escrevi uma tese de Mestrado e defendi-a. Tirei mais um nível de espanhol. Candidatei-me ao ERASMUS e entrei. Iniciei a minha "carreia" científica. Perdi o medo do inglês. Desenvolvi mais um pouco o gosto pela leitura. Derrotei medos que guardava desde a mais tenra infância, percebendo de onde vinham. Aprendi a guardar um amigo, mesmo à distância. Percebi que Coimbra tem muito de mim. Desenvolvi mais um pouco o dom da tolerância. Meditei muitas e muitas vezes sobre mim própria. Mudei de religião. Cresci mais um bom bocado.

Poderia continuar, mas há toda uma vida pela frente, neste exacto momento.
Lá fora já é noite e a minha casa hoje encheu-se com a família mais próxima. Somos só 7, mas é assim que eu gosto de passar o ano, com um brinde de coca-cola e de pijama, à lareira, com eles... Gosto que a primeira coisa que se faça no ano seja dar um beijo a cada elemento, e desejar-lhe o melhor que a vida lhe puder dar. Gosto muito da nossa simplicidade.
Adoro pensar que já não é "para o ano" que muitas coisas novas vão acontecer, é já "este" ano... É daqui a um mês que vou para Espanha, é este ano que vou usar a cartola e bengala na queima das fitas, e me chamarão de "finalista". É este ano que me vou despedir da vida de estudante de universidade, quem sabe de Coimbra. É este ano que faço o exame que decidirá que rumo darei à minha vida profissional... Adoro pensar em tudo isso e saber que vou sentir saudades de dias como o de hoje, em que chove tanto e se está tão quente aqui dentro debaixo de mantas a ver filmes e a comer doçuras, que é melhor aproveitar ao máximo cada minuto de hoje.