domingo, 30 de novembro de 2014

O que fica depois... (Parte 2)

Passou pouco mais de uma semana, embora pareça já quase um mês. Às vezes parece que nunca aconteceu ou já foi há anos, talvez um sonho. Desde então, já dei voltas e mais voltas às possibilidades que existem. Admirei várias vezes a lista de especialidades com que posso entrar com a minha nota, acho que na esperança e desespero urgente de me apaixonar verdadeiramente por alguma. Quando parece que posso decidir-me por uma, atacavam-me as dúvidas... 

"Como poderias ir para Psiquiatria se és uma pessoa tão cirúrgica? Sim, é verdade que a complexidade cerebral te fascina, te deixas envolver pelo diferente das pessoas, adoras observar... mas...e o bloco cirúrgico? a sensação de teres começado e acabado alguma coisa numa só manhã?"

"Anestesiologia dizem ser espetacular...tu não sabes, porque não tiveste na faculdade...seria um ambiente cirúrgico como gostas, com a vantagem de estares sentada toda a cirurgia...só tens de dominar completamente um dicionário de fármacos... E se te enganas e em vez de dares atropina dás adenosina? Sabes bem que és meia desléxica, começa tudo por A...E se não foste feita para cirurgia nem para ambientes de bloco porque podes não ter a capacidade de reação rápida, imperativa..."

"Vais voltar a repetir o exame? E se correr pior? Agora ainda tens muitas opções mas se correr pior pode ser que nenhuma te sobre...e cada vez será mais difícil entrar numa especialidade, porque já não há vagas para todos..."

"Não vais viver frustrada toda uma vida, quando fores só a anestesiologista que tira a dor na hora do parto, ou a psiquiatra que trata das depressões pós parto, mas não faz o parto..."


 "Não faças nada, esta nota se calhar vai dar para entrares, porque dizem que o exame foi muito difícil e muitas pessoas tiraram muito abaixo do que tu tens, por isso pode ser que entres..."

Este último magoa mais, é o pior de todos os pensamentos que tenho, porque transmite-me esperança irrealista. 
Em última análise, eu sei que isto não é problema racional, e por mais que analise ou repense, não chegarei a uma conclusão. Isto é um problema emocional: o que eu sinto, o que me faz mais feliz. Sempre tive esta mania de racionalizar tudo, porque o raciocínio diminui a dor. Não sou de todo uma pessoa fria, mas construí esta auto-defesa há muito tempo.

Estive muito envolvida e embutida em mim mesma nesta semana e parecia que nada teria solução...até que ontem foi o grande dia de fazermos o Juramento de Hipócrates - o pai da Medicina. 
O discurso do Bastonário da Ordem dos Médicos foi duro, mas verdadeiro - adorei ouvi-lo. A história de vida que o Bispo Ximenes Belo (Prémio Nobel da Paz em 1996) contou sobre os médicos que foram para Timor, fez com que o mundo parecesse melhor. 
Depois de muitos nomes, chamaram o meu para ir receber a minha cédula profissional, e já não havia tristeza ou medos sobre o futuro. Deve ter sido daqueles poucos momentos em que a mente está livre, vive-se o presente e ali, naquele meu presente, só conseguia ter orgulho do percurso terminado. No final do nosso Juramento, a lágrima no olho e a enorme vontade de começar a trabalhar e continuar a aprender.
Hoje decidi partilhar o que jurei ontem, e dizer que entendi que mais importante que ser isto ou aquilo, será honrar estas palavras, independentemente da especialidade que faça depois, porque foi exatamente por isto que entrei em Medicina...

"No momento de ser admitido como Membro da Profissão Médica:
Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade.
Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos.
Exercerei a minha arte com consciência e dignidade.
A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação.
Mesmo após a morte do doente respeitarei os segredos que me tiver confiado.
Manterei por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica.
Os meus Colegas serão meus irmãos. Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente.
Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade.
Faço estas promessas solenemente, livremente e sob a minha honra.
"

7 comentários:

  1. Wow.
    És uma miúda grande, grande, grande....
    Ler-te é uma bofetada de vida, de luz, de emoção .... E tenho 43 anos!
    Seja qual for o teu futuro, sei-o com toda a certeza, serás sempre uma fonte de inspiração.
    És medica, és unica.
    És de verdade.
    Parabéns.
    Fica bem,
    Flora

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  2. Força, tudp vai correr bem.
    Mesmo não te conhecendo acredito nisto, porque acredito em tudo o que escreves, e mereces que tudo corra bem.
    Obrigada por tudo o que escreves, és uma inspiração para mim, e um exemplo - de estudante de medicina, e de ser humano.
    I

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  3. Seu blog e sua forma de ver medicina são lindos! Muito sucesso na sua vida :)
    http://futuramedicaconfissoes.blogspot.com.br/

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  4. Cara colega, que forma de expressar tão bem nas palavras todos estes pensamentos, um dia devias escrever um livro tal como escreves estes posts, so que seria agora "Diário de uma Jovem Médica" :) Força :). Sobre o juramento também o fiz, mas no Porto, marcante. Só falta uma coisa aqui: o ano comum...a nossa vida nova, um novo inicio.Preparada? :)
    C

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  5. Olá e desde já muitos parabéns! Acompanho o teu blog à muito tempo. Eu ao contrário de ti estou a começar o meu primeiro ano em medicina na UBI e estou um bocado assustada com tudo.. As notícias de haver a possibilidade de não haver vagas nas especialidades para todos, a mudança do exame de especialidade, contar a média do curso no acesso à especialidade e ler as tuas publicações sobre a carga de estudo e a pressão ao longo dos seis anos deixa-me muito assustada. Começo a penar se terei feito a escolha certa... 3 anos de secundário a lutar por uma média que me permitisse entrar neste curso e agora começo a ficar apreensiva... Quais são os teus conselhos, agora que já viveste e acabaste o curso, para quem está a começar agora? Achas que medicina em portugal não vai ter um futuro promissor como antes tinha? O exercer a profissão recompensa os seis difíceis anos de estudo? O curso é assim tão difícil como toda a gente o diz? É preciso estudar muito?
    Beijinhos e boa sorte :)

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    1. Ola!
      Isso sao muita perguntas...
      Olha medicina nao é o que era e isso é ponto assente. Enquato que na suecia um medio de familia ganha 7 mil euros mensais, nos ganhamos mil e pouco. As horas extras/urgencias extra sao super mal pagas. Nao ha vagas para todos entrarem numa especialidade ja este ano e cda vez sera pior. Estamos como em espanha, que montes de gente concorre a tao poucas vagas. O aumento constante de numero clausus para entrar em medicina estragou tudo por ca.
      Por isso só compensa estudar 6 anos, fazer exame de especialidade, tirar especialidade em portugal se realmente gostares de medicina... Pelo dinhero, pelo prestigio ou qualquer outra coisa, nao!

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  6. Olá! Sou teu colega do 6º ano. Estou neste momento dividido entre estágio/tese/harrison. Já livrei cirurgia, menos mal :p. Mas, apesar de não ter nenhum "objectivo" em termos de nota, cada vez mais (eu e muitos colegas) ponho em cima da mesa o projecto "emigração". Porque não fazes o mesmo? Se realmente é GO que gostas porque não tentas ir para a Suiça, por exemplo? É frustrante, no fundo a corrida às notas nunca acaba não é?
    De qualquer forma, se há coisa que estou a aprender neste 6º ano (para além do que é suposto eheh) é que temos de ter alguma plasticidade. Falo por mim, coisas que não me despertavam qualquer interesse, só por me terem sido mostradas de certa forma ou num certo contexto passaram a ser a coisa mais interessante do mundo. Não sei se é bom ser assim tão volátil, mas já RR dizia que quanto menos nos apegarmos menos desilusões temos ;)

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