segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O rodopio da escolha - A decisão

Há quem diga que o silêncio em certos momentos, é o melhor conselheiro da vida. Fiz silêncio durante estes dias para deixar o coração gritar em privado.
Tentar descrever-vos o que foi ter de escolher a especialidade não vai ser tarefa fácil, porque acho que serão poucas as palavras que podem dar-vos a imagem do ambiente vivido, da forma como estão as pessoas - de como estava eu -, a forma como tudo se processa. Ainda assim, vou tentar.

Os dias antes de eu escolher foram uma falsidade de concentração e alegria. Lá se tenta não pensar naquilo, dizia eu a mim mesma "só vais ver as vagas no final da manhã".."ou no final da tarde..". "Não serve de nada..." Aos olhos alheios estamos normais, a vida vai como sempre, mas por dentro não é assim. E pouco a pouco, mais uma vaga que gostava era escolhida, e mais outra, mas ainda haveria para mim uma!
O "tal" dia chegou e se há coisas para que servem escolher a especialidade, uma delas é ser dispensado do trabalho nesse dia, para "pensarmos". Fiquei em casa então a aproveitar não ter de acordar as 7h da manhã, a limpar, a passar o tempo, a "tentar não pirar" da cabeça. Quando esse tal dia chegar para vocês, se for o caso, cuidado, porque parece que o trânsito é mais e nenhum carro se mexe e há mais acidentes que no resto dos outros dias todos!!
Levava comigo a minha listinha de preferências por ordem, como todos recomendam, "porque lá não se sabem tomar decisões". E muito menos eu, que sou tão indecisa. Ainda tive tempo de telefonar as amigas mais especiais à procura de uma última luz. Qualquer coisa, só para saber se estava certa, só para não estar junto dos outros candidatos todos, os que já escolheram, os que estão à espera e são primeiro que eu, os que estão à espera a rezar para eu e as outras pessoas que estão antes deles, não escolherem a sua vaga.
O enorme problema deste ano é que não houve vagas para todos os médicos que terminam agora o Ano Comum. Isso fez com que as especialidades fechassem com notas superiores aos esperado. A famosa Coimbra, que onde Psiquiatria fechava na ordem dos 55%, fechou este ano nos 68%...E pouco a pouco, mais vagas se fechavam.
Quando finalmente chegou a minha vez, olhava para o meu papel e já todas as vagas de Psiquiatria que eu tinha em hipótese escolher, já tinham sido escolhidas. Ficavam zonas do país para as quais eu não estava disposta a ir. Quando me sentei em frente à senhora responsável e ela me perguntou: "Então doutora, o que vai ser?" eu respondi: "MGF" e chorei como eu acho que nunca ninguém deve ter chorado naquela sala... Foi a vergonha nacional! Às vezes adorava conseguir ser menos transparente.

Chorei naquele momento, depois e nos dias seguintes. Repensei mil vezes se não deveria ter ido para as tais zonas do país onde não queria estar. Revivi aquele momento mil vezes e não encontrava paz. Chorei com a mesma vontade, o mesmo desespero, que chorei a primeira vez, quando terminei de corrigir o meu exame, há um ano atrás. A mesma sensação de injustiça em relação à minha nota/esforço. Chorei por não saber se o meu marido conseguiria entrar no que ele queria, perto de mim.
MGF estava na minha tal listinha de preferências que levei comigo naquele dia e durante este ano pensei várias vezes nisso. Foram muitas as vezes que pensei que iria sentir saudades da parte mais médica, mais objectiva, em prol da subjectiva da Psiquiatria, como fui partilhando aqui. Mas não tive tempo de digerir em minutos o facto de alguém, poucos lugares acima de mim, ter escolhido a ultima vaga de Psiquiatria que eu gostava. Pareceu-me como uma derrota, ali tão perto de mim e eu não a ter conseguido agarrar.

Já faz dias que não choro, nem tenho vontade disso e me sinto optima. Neste tempo, em que estive em silêncio, o meu marido escolheu a especialidade dos sonhos dele, mesmo ali ao lado da minha futura USF. Foi aí que a alegria começou a ser outra. Agarrei-me ao que tenho, ao que conquistei e às possibilidades do futuro. Fui conhecer a minha USF e orientada de especialidade, e fui super bem recebida. Ponderei repetir exame, enfim, ponderei tudo, mas aos poucos fui colocando essa hipótese mais de lado (embora não esteja arrumada). Ao repetir exame, voltaria a entrar na especialidade apenas em Julho de 2017...parece-me demasiado tempo sem exercer medicina. E fará sentido mudar de especialidade sem sequer ainda ter experimentado à séria o que isto de ser médica de família? Aos poucos as incertezas deram lugar à vontade de ser a melhor médica das redondezas. Hoje sei que não foi sequer uma luta, foi o acaso aquele colega ter escolhido o que escolheu.

Isso é mais difícil de digerir neste processo todo - não estamos dependentes de nós mesmos..não é um exame. Estamos dependentes das escolhas de quem está a nossa frente e é como a causa-efeito "do bater das asas da borboleta". A minha decisão influenciou a escolha de outros e assim sucessivamente, até entrar o acaso, até entrar o azar e a sorte, o destino, quem sabe.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O rodopio da escolha.

Na passada quinta-feira foi um grande dia para os colegas de medicina que se apresentaram a exame de seriação. Amigos meus estiveram lá com o objetivo de conseguir uma melhor nota que a do ano passado. Acabei por não postar nada nesse dia, porque estive de urgência, mas o meu pensamento foi para todos os anónimos e os amigos que tiveram de responder às 100 perguntas deste ano.
Foi nesse dia que me apercebi que já passou um ano desde que eu fui fazer essa mesma prova. Já com a distância emocional que um ano de tempo dá aos seres humanos, tudo me pareceu menos importante e menos sofrido. Lembro-me bem do quanto me doeram os dias antes, pela angústia, o próprio dia, pelo nervosismo e a ansiedade e depois pela falsa sensação de alívio e de sucesso, e no dia seguinte, ao ver a minha nota... Como passou a correr este ano de internato geral! E como é giro como funciona o carrossel da vida: hoje tão intensa uma emoção, amanhã uma recordação.

Agora começou outro rodopio, outra agitação, mais confusões! A escolha da especialidade. Foram dias e dias a pensar o que queria ser de verdade. Fui ver este ou aquele serviço de Psiquiatria, mas como as vagas são tão poucas este ano, tive de recolher informações sobre MGF. O maior rodopio é sem dúvida o emocional.. É não saber se preferimos ficar perto mas noutra especialidade, ou longe de quem se ama na especialidade que mais se gosta. É ter um marido que também é médico e também vai escolher, e termos de pensar a dois para agradar a ambos. É ver tão poucas vagas para tantos candidatos. É ter amigos bem próximos que vão ficar com as sobras, ou sem vaga este ano... São as pessoas a perguntar constantemente: "então, já sabes o que vais escolher?". É saber que vou ter de mudar de casa, mas não fazer a mínima ideia para que ponto de Portugal, e já ir acumulando caixotes em casa. É tudo tão avassalador! Hoje uma amiga minha ligou-me a chorar sem saber o que fazer. Ontem chorei eu pela incerteza de tudo isto.
Como se tudo isto não tivesse por si só o impacto necessário nas nossas vidas, a organização da escolha atrasa-se sempre, há sempre enormes confusões e a comunicação social sempre metida ao barulho, infelizmente como a nossa única forma de visibilidade.
Esta sexta feira, segundo o previsto, que é sempre incerto, serei eu a escolher o que vou fazer à minha vida profissional. Não me preocupo com as primeiras pessoas, os primeiros 100 que supostamente escolheriam hoje. Os primeiros, talvez porque podem, talvez por falta de imaginação (=P) vão sempre para dermatologia, oftalmologia, urologia e outras cirúrgicas... Lá para 4ª feira, quando as vagas cirúrgicas começarem a esgotar, aí sim, vou ficar nervosa!

domingo, 8 de novembro de 2015

objectiva vs. subjectiva

Não sou muito fã do trabalho desenvolvido nas enfermarias de medicina interna. Vê-se os doentes e depois passa-se o resto da manhã a escrever diários enormes e a fazer altas ainda mais enormes! Durante o meu estágio de medicina no 6o ano estava a contar os dias para terminá-lo, por isso calculei que este ano também asssim fosse. Mas não está a correr mal... Acho que ajuda eu ver os doentes numa perspectiva mais médica, sinto-me responsável por eles, ao contrário da abordagem dos alunos. Talvez seja isso. Ou talvez sejam aqueles dias por semana que estou na urgência, que me animam tanto que são como golpes de ar fresco!

Durante as primeiras 3 semanas ficava a acompanhar/ajudar a minha tutora de SU, o que já era espetacular porque ela me deixava fazer muito sozinha. Na semana passada, passei a ficar mesmo sozinha num gabinete emergente, que equivale a ver doentes triados com amarelo ou laranja. Fazia a história do doente, exame físico que achava adequado, traçava um plano de exames e de terapêutica e ia discutir com ela antes de clicar no "gravar". Aí sim, tudo pareceu mesmo real! Eu estava ali, por minha conta! E que maravilhosa sensação quando ela me perguntava "e o que estás a pensar que isso seja?" E eu respondia, e algum tempo depois, já com todas as peças do puzzle montadas, eu estava certa...
Então ver análises, saber que exames pedir, pensar em vários diagnosticos diferenciais, saber por que caminho ir, saber fazer uma tabela terapêutica para tirar a dor, para aliviar a dificuldade de respirar...tudo isso ganhou mais valor. De repente, essa parte tão objetiva da medicina ganhou tanta força que me revejo em dúvidas, de novo. A psiquiatria é tão subjectiva...

E aqui fica uma importantíssima mensagem aos colegas mais novos, que estão a poucos dias de fazer a prova de seriacao nacional:
- não se pressionem demasiado. Eu costumava repetir para mim mesma: "tens de conseguir boa nota por SÓ gostas disto!" Quando comecei o ano comum, estava convencida que iria detestar mais de metade dos estágios. Afinal, acontece que ser médico já é mesmo bom! Que acho que me adaptaria a imensas especialidades e acabaria por gostar, ao contrário das únicas duas que falava sempre. Acontece que agora que até casei, vejo as coisas de uma forma diferente. De repente, já não importa assssim tanto qual a especialidade, porque no final do dia o que realmente importa está em casa, a minha espera... Portanto não se pressionem demasiado, senão deixam de conseguir pensar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Resposta aos leitores: Pode-se engravidar na especialidade?

Alguém aqui há dias me perguntava alguma coisa sobre se poderia engravidar durante a especialidade ou se isso traria alguma desvantagem.

Ora bem, constituir família é um direito de qualquer cidadão; a mulher tem o direito de engravidar quando quiser, e o mesmo é válido para a paternidade (não esqueçamos o pai).
Durante este percurso de aulas de medicina e agora como médica, nunca ouvi nenhuma história de alguém que tivesse sido prejudicado por isso.

Fala-se, e repare-se no verbo que eu usei, que poderá não ser vantajoso em determinados anos de especialidades cirúrgicas, porque na cirurgia é necessário o constante "aperfeiçoamento" técnico. Mas aqui me parece que é uma opção das próprias pessoas, e não lhes é imposto nada. Cada um é que sabe quando terá disponibilidade emocional/tempo para ter um filho.

FALA-SE que ainda há por Portugal alguns Diretores de Serviço que não gostam muito de internas, no feminino, pela possibilidade de engravidarem... Mas isso me parece que é puro preconceito, de médicos de outra velha guarda, pelos quais não poderemos orientar as nossas opções de vida.

A minha opinião:
Entre falar-se e ser verdade, vai uma diferença. E entre as histórias que se ouvem de há uma década atrás e as atuais vai exatamente isso, 10 anos. Nestes anos, muita coisa mudou. Antigamente era quase impensável uma mulher fazer Medicina (e muitos professores faziam impor essa ideia, descriminando-as nas aulas); hoje em dia, 2/3 das pessoas que entram em Medicina são mulheres.
O negativismo da questão perdura e ainda aflige alguns, mas para mim isso não passa de um boato que vai passando de geração em geração. É quase como associar-se "Medicina = Biblioteca/Nerds"... São daquelas coisas!
Mas há imensas outras boas historias que nunca ninguém ouve falar! Vou deixar aqui um exemplo: atualmente no serviço de cirurgia geral (cirurgia, atenção) está uma interna em licença de maternidade, outra anunciou à pouco que estava grávida e 3 outras internas vão casar no próximo ano (2 delas no mesmo mês). Nenhuma delas foi de alguma forma discriminada...

Sejamos felizes e façamos "mazé" a natalidade de Portugal aumentar! =P

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Cara ou Coroa?

Quando alguém nos pergunta "cara ou coroa?" para decidir alguma coisa, e apostamos numa das faces da moeda, todos nós, bem lá no fundo, sabemos o que queremos que saia, e nem sempre desejamos ter sorte. Pelo menos esta é a minha teoria, comigo funciona assim.

Se escolhêssemos a especialidade atirando a moeda a ar, por exemplo: "se for cara vou para cardiologia, se for coroa vou para cirurgia geral", no último segundo antes da moeda pousar, teríamos escolhido algo na cabeça e estaríamos a torcer por algum dos lados. Em última análise, atiraríamos mais vezes a moeda ao ar, "só para ter a certeza", ou para confundir mais as probabilidades (que serão, claro está, sempre 50%/50%).

Ora, a questão "para que especialidade vou?" já está respondida. Agora surge outra: "para onde?".
Quando já se pensou e repensou milhões de vezes sobre o assunto, já se pediu opiniões a dezenas de pessoas, já se contactou os internos mais velhos dos respetivos lugares de indecisão para saber informações, até já se fez estágios em alguns desses serviços, já não resta muito mais que se faça. Os mais relaxados dizem-me "oh não te stresses, ainda faltam 3 meses...". Os mais parecidos comigo dizem "epah pensa bem, já vi muita gente a chorar antes e depois da escolha...pensa bem o que queres...e não deixes para a última".

Bem, uma verdade é certa "pessoas com nota mais alta que tu vão ajudar-te a decidir...". Não tenho nenhum 90%, por isso muitos irão escolher Psiquiatria antes de chegar o meu dia. Ou seja, é verdade que há sempre uma parcela, e bem grande, de imprevisibilidade. Mas dentro daquilo que eu posso efetivamente escolher, quero ter esse poder e esse controlo sob a minha vida bem ciente. Segundos depois da vaga estar selecionada, já nada se poderá fazer.

Decisões extremas, medidas extremas.

Vai parecer estúpido a alguns (a esses, caros amigos, sintam-se completamente à vontade para terminar a leitura do post aqui), mas poderá ser útil a alguns, poucos que seja, já vale a pena correr o risco e partilhar.

Fiz uma lista das 10 coisas que são importantes para mim nestes próximos 5 anos da minha vida, como me quero ver e coloquei numa coluna. Alguns exemplos: "Viver perto da minha família", "Ter urgências somente das 8-20h", "Ter boa formação académica." Ordenei-as desde a mais importante (10) à menos (1). Selecionei o meu top3 de cidades/serviços, e escrevi-os em 3 outras colunas. Depois foi só atribuir pontos 3-2-1 (ou zero, no caso de não se aplicar; por exemplo, é impensável fazer SU só das 8-20h em Coimbra, enquanto que em Aveiro é certo, visto que só há SU nesse período).

No final somei tudo de duas forma: a soma direta dos pontos e a soma dos valores que se obtiveram com a multiplicação dos pontos pelo fator de importância.
Obtive a mesma ordem das duas formas. E mais curioso ainda...lembram-se da questão da moeda ao ar? Se atirassem a moeda para decidir os locais, no ultimo instante, olhando só ao coração, eu sei o que eu queria que saísse...E foi o que deu.

Pode ter sido só uma estupidez, pode ter sido uma coincidência, mas sempre ajudou a ter a imagem grande das coisas. Porque quando se analisa os pormenores, como eu estava a  fazer, aparecem os "ses" e "mas", mas o que importava era ver o seu conjunto e saber onde há maiores vantagens.

Talvez se possa aplicar algo semelhante para a escolha das especialidades, para os ainda indecisos nessa matéria.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Cirurgia

Comecei no início de Agosto o estágio de cirurgia e fiquei no bem-aventurado grupo de mama e endócrino. Pessoas super simpáticas, o que é sempre essencial para mim.

Na primeira semana andei melancólica, a repensar a minha escolha profissional. Mais um pouco de dúvida patológica e ainda me auto-diagnostico como obsessiva.
É que por cá deixam-nos (a nós, simples IAC's) entrar nas cirurgias, nem que seja só para segurar o aspirador. E todo aquele ritual de lavagem, aquela dança cuidada de mãos no ar para vestir a bata sem nos contaminarmos, e aquelas roupas verdes trazem o sua charme e dramatismo à questão. De repente, estar a ouvir as colegas de Obstetrícia falar deste e aquele casos na sala do intervalo, já não me era 100% indiferente. Fiquei desconfortável. Cirurgia tem tanta piada...

Na semana seguinte já tudo me parecia sem grande cor, e as constantes dores por contracturas musculares das cirurgias começam a aparecer...ou eram as pernas, ou a coluna lombar, ou os ombros... Nessa quarta-feira, ouvir as colegas falar dos partos não me fez sentir nada, estava indiferente. Acho que aquele primeiro impacto foi o mais forte, porque já há mais de um ano que não entrava num bloco... Parecia o reviver de uma paixão duvidosa. Mas é bem verdade quando dizem que o verdadeiro amor é aquele que fica mesmo depois da paixão diminuir. Cá fiquei eu, mais convicta que nunca de que tenho a decisão tomada por amor à especialidade, e não por conveniência ou outra coisa qualquer.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Novo Regime de Internato Médico

Uma vez que este foi aprovado o novo decreto de Lei sobre o Regime do Internato Médico, e eu ainda não o partilhei, aqui ficam as principais alterações e algumas luzes para quem está a pensar candidatar-se a Medicina: 

O internato médico vai corresponder "apenas ao período de formação médica especializada, com ingresso direto, a partir do Mestrado Integrado em Medicina". 

Artigo 12.º- Candidatura e admissão ao procedimento 
1 — Existe apenas um concurso único de ingresso no internato médico (a partir de 2017). 
(NOTA: Anteriormente existiam o concurso A e B. Ou seja, quem no futuro quiser fazer outra/mudar de especiliadade, entrará em concurso com os candidatos que acabam Medicina). 

Artigo 13.º - Prova nacional de avaliação e seriação 
1 — O modelo da prova nacional de avaliação e seriação é aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, após parecer da Ordem dos Médicos e do CNIM. 
(NOTA: surge uma nova prova nacional de seriação, que virá substituir o actual "Harrison", dentro do prazo previsto de 3 anos.) 
2 — Pode ser fixada no Regulamento do Internato Médico uma classificação mínima da prova nacional de avaliação e seriação para acesso à escolha de vaga de especialidade médica. 

Artigo 15.º -Colocação de candidatos 
2 — A colocação dos médicos internos decorre da ordenação obtida com base na classificação ponderada resultante das seguintes componentes:
 a) 20 % correspondentes à classificação final ponderada entre as diferentes escolas médicas, obtida na licenciatura em medicina ou mestrado integrado em medicina ou equivalente
 (NOTA: média ponderada, que será obtida atraves de uma formula previamente aprovada)
 b) 80 % da classificação final obtida na prova nacional de avaliação e seriação. 

Artigo 25.º - Mudança de área de especialização 
1 — Os médicos internos que pretendam mudar de área de especialização devem candidatar -se a novo procedimento concursal de acordo com as regras previstas no Diário da República, 1.ª série — N.º 98 — 21 de maio de 2015 2673 Regulamento do Internato Médico, não podendo ocupar mais de 5 % do total de vagas postas a concurso.
 2 — Os médicos internos só podem candidatar -se a novo procedimento concursal para mudança de área de especialização até à conclusão do programa formativo de metade do internato médico, sendo, apenas, permitidas duas mudanças de especialidade. 

Passará a ser possível a obtenção da autonomia de exercício da medicina ao fim de um ano de internato médico - em contraponto aos atuais dois anos -, medida que entrará de imediato em vigor e enquanto se mantiver o Ano Comum, que está previsto terminar.

domingo, 5 de julho de 2015

Últimas News

Hoje decidi-me a fazer um resumo do que se passou nestes últimos dois meses de ausência de escrita. Então aqui vai:
- Comecei em Maio o estágio de Pediatria, que graças aos poderes do tempo e de umas férias pelo meio, já terminou! E concluiu-se o que eu já sabia: não gosto da coisa!
- Essas tais 2 semanas de férias foram óptimas e maravilhosas como todas devem ser, embora pudessem ter sido fantásticas se o sol tivesse aparecido para os lados do sul do país. Li mais um livro em inglês (um vitória pessoal) e matei saudades da máquina de costura.
- Auto propus-me a escrever um livro. Já escrevi uma página. Entretanto passou mais de um mês desde esse último suspiro de inspiração. E creio que foi suspiro falso, em boa verdade, porque vou mudar completamente a estrutura do dito cujo livro e apagar tudo o que já estava alinhavado. Fica o desafio, que não tem prazo. É para quando for.
- Entretanto comecei o 2º e último estágio opcional do ano comum. Decidi ser criativa e voltei a escolher Psiquiatria... Mudei o hospital vá, estou em Gaia agora. Mas sobre isso nada a dizer por enquanto, porque na verdade apresentei-me ao serviço no dia 1, e nos dias 2 e 3 estive ausente por licença de formação.
- Entretanto a novidade mais estonteante é a seguinte: fui convidada/desafiada a começar o Doutoramento em Saúde Mental no próximo ano! Durante uns dias após esse convite andei meia desnorteada. Incrivelmente orgulhosa e lisonjeada, claro, mas em certo ponto preocupada. Acabei há pouco mais de 6 meses uma longa jornada de estudante, e vou daqui a pouco começar outra? E tirar a especialidade ao mesmo tempo? Dizem os mais experientes e entendidos da matéria que hoje em dia ser-se médico interno e estudante de doutoramento é coisa habitual, e que estas aulas altamente dirigidas à Saúde Mental podem na verdade ser um excelente apoio a quem está a começar a sua vida clínica. Se é verdade ou não ainda não sei, mas é quase certo que me vou aventurar. 
Implicações pessoais? A maior é voltar a Coimbra, coisa que já se previa mas que tenho vindo a negar. Não por não gostar da cidade, porque será sempre especial para mim, mas porque de forma inata marco mentalmente a vida por etapas, e não costumo retornar aos locais das etapas anteriores. Deixei Coimbra quando terminei o curso, e achei que não voltaria a não ser para visitar a família que por lá agora tenho, desde que casei. Esta é uma explicação. A outra é o facto de estar a adorar estar perto da minha família mais nuclear. Ter de fazer uma viagem de uma hora pela auto estrada para ver quem se ama, de repente, já me parece uma eternidade. Uma terceira explicação poderia ser o receio de fazer uma especialidade num hospital super central, com mais 4 internos do mesmo ano, com mais 20 internos de anos superiores. Com Senhores Professores Catedráticos, com alunos de medicina a rondar as enfermarias, com a confusão de uma cidade de estudantes e doutores! Mas a esta terceira não se dê muito ênfase, não vá se perceber que sou insegura.


sábado, 9 de maio de 2015

A Queima é dos Amigos!

Por esta altura, no ano passado, eu já pensava tentava imaginar como me sentiria agora, quando regressasse à Queima de Coimbra como ex-estudante, já formada. Achava que seria estranho e bonito, usar a capa negra aos ombros sem o resto do traje. 
Ontem foi assim, voltei para uma jantarada com aqueles amigos mais especiais, na noite da Queima "dedicada" à Faculdade de Medicina. Há coisas que nunca mudam nesta altura de Maio, desde o trânsito e a dificuldade para estacionar, as ruas cheias de grupos de amigos, os restaurantes lotados, os trajes que saem do guarda-fatos. Para nós também parecia nada ter mudado. Estamos meios perdidos pelos vários hospitais do país, desde a Feira, Aveiro, Coimbra e Lisboa, mas parece que nunca nos separamos. Ficamos na conversa por horas, rimos com aquela vontade que vem de dentro, e fomos beber uma cervejinha naquele frenético ambiente da baixa da cidade. Não sei se foi por estar tão confortável com eles ou se pelo significado por si só, mas foi realmente maravilhoso voltar à nossa Coimbra e reviver os tempos de faculdade, não muito longínquos por enquanto.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Last Chance

Se me perguntarem qual a principal vantagem de se ter Ano Comum, eu vou dizer sem pensar muito: "última chance para descobrires o que realmente queres ser antes da derradeira escolha..."

Após a grande desilusão de não atingir aquela gigantesca nota a que me tinha proposto e que julgava ser essencial para ser feliz o resto da minha vidinha, a minha mente altamente direcionada para a racionalização decidiu traçar uma estratégia alternativa, um plano B urgente. Cheia de dúvidas e medos, com um certo pessimismo, confesso, e alguma melancolia, comecei o Ano Comum por estágios/especialidades que eram para mim hipótese de ingresso e deixei a ideia de voltar a repetir o exame num plano C.

Psiquiatria sempre esteve no meu "Top 2", num jogo de forças flutuante com a Gin/Obs, que ora ganhava poder, ora era esbatido pelos medos, por isso não poderia deixar de repetir.
Estive um mês a fazer estágio em Aveiro em Psiquiatria e não houve um único dia que não sentisse a felicidade e a realização que procurava...a tal que achava que tinha perdido. 
De repente, quando me apercebi, pensar em Gin/Obs, nomeadamente que não iria fazer essa especialidade, já não me causava nem mágoa, nem inveja, nem tristeza. Dava por mim a sorrir no carro ao vir embora, a pensar no quão gratificante tinha sido aquele dia e poderiam ser os restantes nesta profissão...
Ainda nem o estágio ia a meio e um dia respondi naturalmente a alguém que me perguntava se estava a gostar da experiência: "Estou a gostar tanto que quero mesmo ser Psiquiatra!" 
E voilá, essa felicidade em que andava, o entusiasmo no olhar que o meu marido notava ser diferente quando lhe contava dos casos que tinha visto, verbalizou-se e ganhou vontade própria.

Um dia qualquer de manhã, estávamos eu e o meu tutor do estágio a falar e ele diz-me: "quando for fazer a sua escolha, não se esqueça da Psiquiatria...tem olho para isto...". Hoje ao me despedir dele reforçou: "estou a sua espera no próximo ano...". Sorri profundamente grata pelo reconhecimento que aquela frase representava. Fiz aqueles quilómetros para casa feliz.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Tu não vais conseguir salvar todas as pessoas que encontrares...

Apesar dos poucos dias de avanço, Abril tem-se mostrado um mês prometedor para mim. Se já desconfiava que seria bom fazer estágio de Psiquiatria para tirar as minhas dúvidas interiores, agora tenho total certeza.
Desde o dia 1 que é assim, lá vou eu rumo a Aveiro todos os dias de manhã no meu carrito. Nota-se logo a diferença de ter de acordar bastante mais cedo do que nos tempos em que ia para o Centro de Saúde, que era a 5 minutos a pé de minha casa.
Por causa do fim de semana prolongado de Páscoa, ainda só somei 3 dias de estágio, mas gostei mesmo muito de todos. A equipa é jovem e acolheu-me bem e me parece que todos têm boa saúde mental... =P

Na quinta-feira estive de urgência das 8h às 20h - foi a minha primeira urgência como médica (porque no estágio de MGF não se faz urgência) e devo confessar que me agradou imenso, tanto os casos a que assisti, como essa nova sensação de se ser médico e não o estudante, num serviço de urgências.
A certa altura do dia, num momento mais parado, lancei ao especialista com quem estava uma das perguntas que mais me incomoda sobre a Psiquiatria:
- "A noção que tenho é que a Psiquiatria não cura ninguém...os doentes acabam sempre por voltar com recaídas... Isso ao final de algum tempo, não acaba por ser desmotivante para o médico?"
E ele respondeu:
-"Se reparares bem, são muito poucas as especialidades que realmente curam...A grande maioria dos médicos controla sintomas e impede ou atrasa a progressão das doenças, dá qualidade de vida, faz a prevenção das mesmas e resolve agudizações." E continuou: "Não sinto essa desmotivação a que te referes...o importante é não ter demasiadas expectativas, nem na Psiquiatria nem noutra especialidade qualquer. Tu não vais conseguir salvar todas as pessoas que encontrares..."

"Tu não vais conseguir salvar todas as pessoas que encontrares..."
 Eis um lado da Medicina é que é totalmente diferente daquilo que habitualmente tanto médicos como população espera dela, pela Esperança que a ciência consiga mais e melhor todos os dias. Eu sou uma pessoa esperançosa por natureza, que espera sempre o melhor dos outros, que acha que amanhã poderão mudar... Mas também sabia que há determinadas pessoas de quem é difícil esperar essa tal mudança. Distúrbios de personalidade, dependências de uma vida... E doía pensar que iria encontrar essa realidade de forma mais acentuada no mundo dos doentes Psiquiátricos. Acho que costumava pensar nisso do lado sombrio, pelo medo provavelmente de um dia deixar de me sentir realizada. Aquele especialista, com as suas palavras certeiras e repletas de anos de experiência, mostrou-me o lado mais positivo... A Psiquiatria de facto é fundamental na vida de muitas pessoas e famílias, dá qualidade de vida a muitos doentes e esse é o lado positivo a que de deve dar valor. Acho que só agora entendo de verdade o porquê de um amigo meu quer ser Oncologista.


quinta-feira, 2 de abril de 2015

Crónicas e Reflexões de uma Interna em MGF - O que nem às paredes confesso




         A senhora tinha ido ao consultório para mostrar uma radiografia do ombro e umas análises. Estava tudo bem, e ela pareceu ficar contente com a notícia. Depois pergunta no seu tom natural:
         “Senhora doutora, gostava que me dissesse para que servem estes medicamentos” – enquanto tirava da sua mala uma saca com 3 caixas. Eu, inocente e excessivamente atenciosa neste caso, ia começar a explicar para que servia cada um deles, quando o médico de família da senhora interrompe a minha voz no momento certo e perspicazmente pergunta:
         “De quem são esses medicamentos?”
         “São do meu filho…” Sorriu nervosa. Sabia que tinha sido apanhada. Estava a falar de um filho adulto e completamente independente, que também era utente do mesmo médico.
         “Minha senhora, o que eu prescrevo ao seu filho é entre mim e ele e a isto chamamos ‘sigilo médico’. Se quiser saber o que são e para que servem, deve conversar abertamente com ele e expor-lhe a sua preocupação.” Mantinha um sorriso atencioso enquanto falava com aquela mãe preocupada, mas não poderia deixar de a repreender.
         Foi uma lição gigantesca. Sigilo médico não é nenhuma novidade para mim. Foi tema muito debatido nas aulas de Ética Médica do 4º ano e prometi guardar os segredos de cada doente mesmo depois da sua morte no Juramento de Hipócrates, que não foi assim há tanto tempo.
         A partir desse momento, que felizmente para mim ocorreu logo no início do estágio, criei um radar de perguntas maliciosas. Já não vou na cantiga da velhinha que diz como quem não quer nada que viu na sala de espera o Sr. Folano ou o Sr. Cicrano, e depois acrescenta num tom disfarçado: “O que veio cá ele fazer?”. Ou então: “Ele está melhor?”, como se estivessem por dentro do estado de saúde do vizinho com quem nunca fala…
         É verdade, médico de família conhece os muitos elementos de uma família, de muitas famílias vizinhas e não pode cair nas armadilhas linguísticas que os doentes lhes tentam impregnar sobre os filhos, os pais, os conjugues, os vizinhos até… Médico de família ouve muitas versões da mesma história e não pode desmenti-las, nem comenta-las como se soubesse mais do que a pessoa lhe está ali naquela momento a contar…

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Crónicas e Reflexões de uma Interna em MGF - A Nova Geração




         Pirâmides etárias são gráficos que que representam a população de acordo com as idades e os sexos de uma determinada amostra. O conceito é simples: a base representa a taxa de natalidade, a parte intermédia a população adulta e por fim, o ápice dá-nos a expectativa de vida e a população idosa. Uma população jovem tem, como se compreende, uma base larga e um ápice estreito. Portugal está a ficar longe dessa ideal situação. Segundo as previsões do Instituto Nacional de Estatística, em 2050 cerca de 80% da população portuguesa estará envelhecida e dependente.
         Quase não seria necessário fazer-se inquéritos sobre a demografia nacional, bastaria consultar a agenda dos médicos de família para cada semana. Eu estive 3 meses no centro de saúde e nunca assisti a nenhuma consulta pré-concepcional. Pode ter sido azar, claro, mas se fossem muitas seria mais difícil não assistir a pelo menos algumas, não? Onde estão os casais prontos a ter filhos? Onde está a vontade e a disponibilidade económica para construir uma família? Onde estão as mulheres que não querem ter só um filho, e só aos 40?
         Consultas de saúde materna também se podiam contar pelos dedos de uma só mão. O horário está lá reservado, às quintas-feiras de manhã, à espera desesperadamente que venham as senhoras de barriguinha, mas nada… O que acontece então é que esse horário acaba por ser preenchido pelas consultas mais requisitadas – doenças crónicas: diabetes, hipertensão - que atingem maioritariamente a faixa etária acima dos 60-70 anos… Parece uma “pescadinha de rabo na boca”, como diz o povo, um ciclo viciante.
         Como jovem médica, o que me parece é que há uma estreita ligação entre a realidade da saúde materna e a da saúde infantil, ou seja, entre a carência de gravidezes e educação centralizada nas necessidades materiais das crianças.
         Já ouvi casais falarem que “a vida está muito complicada, não podemos ter filhos…eles hoje em dia precisam de tudo.” O desemprego é infelizmente uma realidade portuguesa e quanto a isso, nada a acrescentar, e há de facto pelo Portugal fora centenas de famílias que não podem ter filhos . Mas depois temos aquelas outras famílias, muitas por sinal, que têm estabilidade económica e falam da mesma forma. Serão os filhos que precisam de tudo mesmo, ou quererão os pais dar-lhes tudo? A ideia que tenho é que hoje em dia as pessoas querem ter só um filho, mas “que nada lhe falte”. Este pequeno pormenor é a chave de toda a alteração. Surgem então as famílias com apenas um descendente, ao qual dão tudo quanto podem e lhes transmitem, sem saberem ou sem parecerem ligar, a ilusória e destruidora educação que a vida é assim mesmo – pode ter-se tudo.
         Esta minha opinião não é infundada em ideias vagas, tenho imensos exemplos reais, só falando nestes 3 meses de estágio, e em todas as etapas de vida. Há casais que se queixam que têm “pequenos ditadores” em casa, que aos 2 anos já decidem a sua pequena vida mais do que os seus pais, desde o que comem ao que vestem, com as birras com as quais hoje em dia os pais dia não sabem lidar. Ainda há poucos dias vi uma mãe rir-se orgulhosamente da birrinha que a filha de 3 anos fazia no consultório e a incentivava: “Tu hoje não queres fazer isto pois não? Prontos, ela hoje não quer…”, enquanto a abraçava e mimava. Depois vem as terríveis histórias dos filhos já homens que com 20 anos não querem estudar nem trabalhar, maltratam os mais velhos verbalmente, e de quem os pais já não conseguem nada, nem autoridade, nem educação, nem respeito.
         É difícil educar devidamente, é necessário ser-se presente, forte, convicto e equilibrado. E depois das muitas histórias de filhos e pais que ouvi e das muitas consultas de saúde infantil que fiz, creio ser impossível não refletir sobre o assunto... Talvez o médico de família possa ter uma posição de destaque no amadurecimento da nova geração de pais e filhos e na orientação dos mesmos, através de exemplos e explicações científicas, e como alerta para os sinais da necessidade de uma intervenção mais especializada. Talvez seja fundamental toda a sociedade refletir em questões mais filosóficas mas extremamente oportunas, que parecem esquecidas, como: “o que faz realmente falta a uma criança?”, “onde fica a noção de partilha entre irmãos?”, “como educar para que os filhos tenham respeito ao dinheiro, trabalho e sacrifício dos pais?”.