segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O rodopio da escolha.

Na passada quinta-feira foi um grande dia para os colegas de medicina que se apresentaram a exame de seriação. Amigos meus estiveram lá com o objetivo de conseguir uma melhor nota que a do ano passado. Acabei por não postar nada nesse dia, porque estive de urgência, mas o meu pensamento foi para todos os anónimos e os amigos que tiveram de responder às 100 perguntas deste ano.
Foi nesse dia que me apercebi que já passou um ano desde que eu fui fazer essa mesma prova. Já com a distância emocional que um ano de tempo dá aos seres humanos, tudo me pareceu menos importante e menos sofrido. Lembro-me bem do quanto me doeram os dias antes, pela angústia, o próprio dia, pelo nervosismo e a ansiedade e depois pela falsa sensação de alívio e de sucesso, e no dia seguinte, ao ver a minha nota... Como passou a correr este ano de internato geral! E como é giro como funciona o carrossel da vida: hoje tão intensa uma emoção, amanhã uma recordação.

Agora começou outro rodopio, outra agitação, mais confusões! A escolha da especialidade. Foram dias e dias a pensar o que queria ser de verdade. Fui ver este ou aquele serviço de Psiquiatria, mas como as vagas são tão poucas este ano, tive de recolher informações sobre MGF. O maior rodopio é sem dúvida o emocional.. É não saber se preferimos ficar perto mas noutra especialidade, ou longe de quem se ama na especialidade que mais se gosta. É ter um marido que também é médico e também vai escolher, e termos de pensar a dois para agradar a ambos. É ver tão poucas vagas para tantos candidatos. É ter amigos bem próximos que vão ficar com as sobras, ou sem vaga este ano... São as pessoas a perguntar constantemente: "então, já sabes o que vais escolher?". É saber que vou ter de mudar de casa, mas não fazer a mínima ideia para que ponto de Portugal, e já ir acumulando caixotes em casa. É tudo tão avassalador! Hoje uma amiga minha ligou-me a chorar sem saber o que fazer. Ontem chorei eu pela incerteza de tudo isto.
Como se tudo isto não tivesse por si só o impacto necessário nas nossas vidas, a organização da escolha atrasa-se sempre, há sempre enormes confusões e a comunicação social sempre metida ao barulho, infelizmente como a nossa única forma de visibilidade.
Esta sexta feira, segundo o previsto, que é sempre incerto, serei eu a escolher o que vou fazer à minha vida profissional. Não me preocupo com as primeiras pessoas, os primeiros 100 que supostamente escolheriam hoje. Os primeiros, talvez porque podem, talvez por falta de imaginação (=P) vão sempre para dermatologia, oftalmologia, urologia e outras cirúrgicas... Lá para 4ª feira, quando as vagas cirúrgicas começarem a esgotar, aí sim, vou ficar nervosa!

domingo, 8 de novembro de 2015

objectiva vs. subjectiva

Não sou muito fã do trabalho desenvolvido nas enfermarias de medicina interna. Vê-se os doentes e depois passa-se o resto da manhã a escrever diários enormes e a fazer altas ainda mais enormes! Durante o meu estágio de medicina no 6o ano estava a contar os dias para terminá-lo, por isso calculei que este ano também asssim fosse. Mas não está a correr mal... Acho que ajuda eu ver os doentes numa perspectiva mais médica, sinto-me responsável por eles, ao contrário da abordagem dos alunos. Talvez seja isso. Ou talvez sejam aqueles dias por semana que estou na urgência, que me animam tanto que são como golpes de ar fresco!

Durante as primeiras 3 semanas ficava a acompanhar/ajudar a minha tutora de SU, o que já era espetacular porque ela me deixava fazer muito sozinha. Na semana passada, passei a ficar mesmo sozinha num gabinete emergente, que equivale a ver doentes triados com amarelo ou laranja. Fazia a história do doente, exame físico que achava adequado, traçava um plano de exames e de terapêutica e ia discutir com ela antes de clicar no "gravar". Aí sim, tudo pareceu mesmo real! Eu estava ali, por minha conta! E que maravilhosa sensação quando ela me perguntava "e o que estás a pensar que isso seja?" E eu respondia, e algum tempo depois, já com todas as peças do puzzle montadas, eu estava certa...
Então ver análises, saber que exames pedir, pensar em vários diagnosticos diferenciais, saber por que caminho ir, saber fazer uma tabela terapêutica para tirar a dor, para aliviar a dificuldade de respirar...tudo isso ganhou mais valor. De repente, essa parte tão objetiva da medicina ganhou tanta força que me revejo em dúvidas, de novo. A psiquiatria é tão subjectiva...

E aqui fica uma importantíssima mensagem aos colegas mais novos, que estão a poucos dias de fazer a prova de seriacao nacional:
- não se pressionem demasiado. Eu costumava repetir para mim mesma: "tens de conseguir boa nota por SÓ gostas disto!" Quando comecei o ano comum, estava convencida que iria detestar mais de metade dos estágios. Afinal, acontece que ser médico já é mesmo bom! Que acho que me adaptaria a imensas especialidades e acabaria por gostar, ao contrário das únicas duas que falava sempre. Acontece que agora que até casei, vejo as coisas de uma forma diferente. De repente, já não importa assssim tanto qual a especialidade, porque no final do dia o que realmente importa está em casa, a minha espera... Portanto não se pressionem demasiado, senão deixam de conseguir pensar.