quarta-feira, 8 de maio de 2013

Queima das Fitas

Para quem me tem vindo a acompanhar, já deve ter visto algumas coisas escritas sobre a queima das fitas. Todos os ano há uma e portanto isso é e será sempre um tema sobre o qual poderei escrever. No entanto, este ano, além de todo o sentimentalismo inerente ao momento, pretendo fazer uma crítica.
Estou no 5º ano - o ano de se abanar as fitas em cima de carros alegóricos, cheias de sátiras sociais e políticas, com alguma perversidade à mistura em algum deles. Pessoas que já viveram essa experiência, dizem ter sido o melhor dia de todo o seu curso. Falam da interação com as pessoas, do orgulho de ter finalmente algo verdadeiramente importante na pasta, falam da amizade e do trabalho que está por detrás da construção do próprio carro...
Eu, apesar de estar no 5º ano, optei por não participar.
"ah e tal, somos jovens...é só um dia...é só um dia..." diriam alguns.
Embora respeite a liberdade dos outros, eu não concordo.
Não concordo com o milhares de euros que se gastam para fazer os carros e para os rechear com toda a espécie de possibilidades alcoólicas (cerca de 5 mil euros por carro, uns mais outros menos, dependendo do número de pessoas que o faz e do seu tamanho). Não concordo que o cortejo da queima das fitas não seja mais do que um chuveiro de cerveja, onde os alunos, meios bêbado, ou inteiramente bêbados em alguns casos, insistam em molhar os turistas e os próprios colegas. Não me agrada a ideia de saber que todo aquele trabalho é destruído no final do cortejo em poucos minutos.
No início do curso, seguia o cortejo com a capa colocada aos ombros, em sinal de respeito e orgulho pela tradição da Academia de Coimbra. Actualmente, nem de capa e batina as pessoas andam, muitas delas abandonam estes preciosos elementos do traje académico, perdendo-os ou trocando-os depois. A capa nem sequer é devidamente traçada no única momento exigido - ao passar pelo júri do concurso. Do desrespeito pela serenata já nem vale a pena falar, e nem é o objetivo deste post.
Pessoas mais velhas, da geração dos meus pais, dizem que antigamente o Cortejo não era cerveja nem exagero. Era o momento de mostrar à sociedade os novos doutores e os alunos comportavam-se como tal, desfilando com esse mesmo orgulho. Sempre existiu brincadeira, mas não desperdício.
Associando o fato do país atravessar uma grave crise económica, não posso deixar de perguntar também: "de onde vem todo esse dinheiro?" As pessoas vão queixando-se da triste realidade que a família vive, muitos colegas têm de contrair empréstimos para terminar o curso, alguns saem mesmo da faculdade por não poder suportar as despesas de viver longe de casa, na grande maioria dos casos. As bolsas de estudo, infelizmente para muitos, só cobrem mesmo as propinas. A grande maioria nem bolsa tem.
O dinheiro? O dinheiro que se gasta numa tarde de Domingo vem de vários sítios: no caso da Medicina os elementos do carro pagam cotas mensais, normalmente durante 2 anos, que variam de 10 a 5 euros. Cada pessoa é responsável por arranjar 150 a 200 euros de patrocínicos (patrocínios esses que pedem à pobre família, aos amigos, ao senhor José da mercearia lá da terra, etc...). Organizam "rastreios" à populção que são "gratuitos", mas que na verdade não são mais que chamaris de dinheiro, porque as pessoas, em troca da generosidade dos futuros médicos, que ali estão ao dispor a medir a tensão arterial e a glicémia, a pesar e a fazer o incrível cálculo do IMC, dão umas moedinhas ou umas notinhas. Não é raro se ouvir comentários do género "foi lá um senhor que só deu 20 centimos! mais valia não ter ido...". Depois há a venda de brindes - canetas, porta-chaves, carteirinhas, etc e cada pessoa tem de conseguir vender um "x" número de cada coisa.  E ainda há a organização de jantares e festas, na esperança de no final haver algum lucro.
No meio de tudo isto, quem não vender o que é suposto, tem de pagar o dinheiro equivalente do seu bolso. Do seu bolso, não sei se será a expressão, porque na verdade todo o dinheiro que dispendem sai, na esmagadora maioria dos casos, do dinheiro da mesada que os pais depositam na sua conta. Uma "excelente" estratégia, eu diria, mas pra que fim?

Já não é segredo para ninguém que vim para Medicina porque queria ser Médica Sem Fronteiras. Uma vez escrevi para eles a perguntar como tudo se processava e responderam, carinhosamente, a encorajar-me a tirar o curso de Medicina, que seria o primeiro passo. No final dizeram "ficaremos à tua espera".
Quando chegou a hora de começar a pensar em organizar o carro, eu propus a alguns amigos que tentássemos arranjar o dinheiro das formas mais honestas possiveis, visto que todos nós temos algum talento, e em vez de o gastarmos numa tarde, que o usássemos numa viagem de 3 semanas por exemplo, a algum lugar remoto onde fosse necessária a ajuda de simples finalistas de Medicina. Ninguém gostou da ideia... E eu sozinha, nada fiz também.
Porque realmente respeito muito os meus amigos, não pude deixar de acompanhar o carro deles em todo o percurso do cortejo, mantendo uma margem de segurança em relação à tal chuva de álcool. 
No final, quando vi com eles o seu carro a ser destruído, não puder deixar de pensar que poderiamos ter feito outra escolha e que, aquele dinheiro todo poderia ter sido usado para algum fim mais humanitário. 
Não os culpo de forma alguma, e compreendo sinceramente que a onda da "dita tradição", do "toda a gente o faz" e do "é uma vez na vida" por vezes seja muito forte. E também não pensem que não sou pessoa de gastar dinheiro, a forreta lá da turma que não alinhou. Nada disso, e a prova é que este verão vou gastar as minhas economias numa viagem pela Europa. O que questiono no meio disto tudo é o sentido das coisas, a durabilidade, e infelizmente tenho a certeza que muitos só o fazem porque não gostam e não sabem ser diferentes.