quinta-feira, 6 de abril de 2017

Paliativos

Cuidados paliativos são o quê afinal?
Bem, vou deixar aqui a minha definição baseada naquilo que senti, ao final da primeira semana de estágio nos cuidados paliativos no IPO do Porto.

Os Cuidados paliativos sao chocantes, emocionantes, humanizadntes, angustiantes, reconfortantes, tudo ao mesmo tempo. Foi isto que senti no primeiro dia de estágio, quando levei com a emoção que está por detrás de cada conversa, de cada relação medico-doente-família, como uma onda avassaladora.
A condição humana é incrível, cada vez me apercebo mais disso, e me fascina mais ser médica. Todos nós queremos ser amados, todos nós queremos morrer sem sofrimento, todos nós queremos sentir que naomestamos sozinhos. Há coisas que nos ligam a todos, e o final de vida trás muito disto que são as semelhanças humanas à flor da pele.
Cuidados paliativos existem para dar o conforto e retirar o sofrimento de quem está a morrer, e apoiar os familiares que ficam sem o seu ente querido, e como interna de medicina geral e familiar não poderia ser mais útil à minha formação pessoal e profissional. Quem me dera que um dia a nossa rede de cuidados continuados fosse tão boa, e houvesse tantos médicos tão competentes e à vontade a lidar com as questões de final de vida, que o hospital não estivesse cheio, como tem estado todos os dias.
O luto tem de ser feito por quem fica, muitas vezes por quem parte. E começa antes do falecimento habitualmente. Causa ansiedade, saber de ante mão que alguém que amamos vai deixar-nos. E esta ansiedade, quem cuida? Paliativos é prestar apoio psicológico, através de uma equipa multidisciplinar, aos familiares e ao doente. É ver que um doente que mal fala, consegue arranjar forças para pedir para ver um padre.
Paliativos é um desafio a tudo o que aprendemos em medicina. Aqui não se salva, cuida-se. É ver doentes a morrer ali, à nossa frente, é sentir paz e até um certo alívio por ele e não intervir par o tentar salvar, mas apenas garantir que vai morrer sem sofrimento. É aceitar o ciclo naturalmente vida e de morte, sem que isso nos cause dor a nós. No entanto, Paliativos é diferente de eutanásia, distância ou suicidio assistido. É ouvir um doente pedir no desespero que o matem porque já não aguenta ter cancro há tantos meses, e dar-lhe a mão em silêncio e depois dizer "não está sozinho...eu fico aqui consigo...".

Tem sido um estágio de muito trabalho, mas de um enorme interesse. É engraçado como eu, que durante toda a faculdade quis ajudar bebes a nascerem, estou agora fascinada e ainda atordoada com isto que é "ajudar a morrer com dignidade".

quinta-feira, 23 de março de 2017

2º Ano de Especialidade

Desde setembro de 2016 que não escrevo, porque atrás de uma pequena obrigação vem outra, e mais uma mudança na vida, e quando dou conta já se passou meio ano...

Tive exame final de 1º ano em Dezembro e nos tempos anteriores a minha vida não foi mais do que  trabalhar, chegar a casa e estudar, trabalhar no dia seguinte, estudar aos fins de semana, fazer urgência aos fins de semana em que dava para conjugar tudo... Foi esgotante. Já não estava só a estudar, como na faculdade, estava também a trabalhar e tudo o que queria ao chegar a casa era sentar-me no sofá e adormecer até ao dia seguinte. Depois, para complicar, o ritmo de estudo já não é o mesmo que na faculdade, é tudo mais lento.

Foram 3 médicas especialistas em MGF, uma delas a minha orientadora de formação, a fazer perguntas durante cerca de 2 horas, numa sala com porta entreaberta e com uma folha à frente, para cotar as minhas respostas. No final do exame mandara-me sair para discutir a minha nota final, e chamaram-me 5 minutos depois para me comunicarem o que decidiram e eu assinar.
A sensação que ficou depois foi de vitória. Fui a primeira do meu ano a fazer exame, e felizmente correu muito bem. Pensei: "já está, mais um ano". Nunca na faculdade fora tão bem sucedida numa oral. Mas não tinha saudades nenhumas deste tipo de prova.

Entretanto estou já com quase 3 meses completos de 2º ano de MGF, e isto está a passar a voar. E a cada dia vou gostando mais do que faço. Encontro um desafio todos os dias, algum caso que me dá mais trabalho, que me obriga a estudar em casa.
Em Abril vou fazer estágio no IPO do Porto, em Cuidados Paliativos, depois Maio e Junh estágio de Psiquiatria. Aí sim, o tempo vai mesmo passar sem me aperceber, é sempre assim quando estamos fora da USF... E quando der por mim, estamos no Verão e eu estou a meio do 2º ano.

domingo, 18 de setembro de 2016

Diferentes especialidades, diferentes racicionios

Alguém me perguntava se eram mesmo diferentes as especialidades de mgf e medicina interna, uma vez que são ambas especialidade generalistas.

Sim, são diferentes, sem prejuízo para nenhuma delas.
A população alvo dos cuidados não é a mesma, e por si só, isso já faz com que exista uma discrepância. Nos cuidados primários de saúde, na mgf, a população alvo são todas as pessoas, de todas as idades e de ambos os sexos, independentemente do seu estado de saúde ou doença. Há uma enorme variedade e uma grande porção dedicada a prevenção da doença e promoção e saúde. Prevê-se que 80-90% de todos os problemas ou fases de um indivíduo ao longo da vida possam ser diagnosticadas e/ou seguidos no seu médico de família.
O médico de família necessita ter a aptidão de dominar todos os problemas que possam ser resolvidos ao nível dos centros de saúde, de todas as áreas de medicina, ou seja, esses 80% dos problemas ou fases das vidas das pessoas. Exemplos de 'fases' de vida que necessitam de cuidados, embora não representem necessariamente doença, são as etapas de crescimento de uma criança ou uma gravidez. Adicionalmente, não pode deixar escapar um sintoma ou um sinal clínico que possa indiciar um problema potencialmente grave, que careça de tratamento mais específico, por exemplo, nos hospitais.
O raciocínio tem por isso de ser versátil. Ora se faz uma consulta um jovem saudável, ora se vê um idoso com uma lista de 15 medicamentos para gerir. O raciocinio está mais voltado para o que é comum e mais prevalente, mas não pode deixar de se pensar no que é raro e potencialmente fatal.

Na medicina interna, e nas urgências dos hospitais, onde os médicos internistas fazem turnos semanalmente, há uma seleção da população. Não contactam com a população geral, mas sim com uma população já pre seleccionada, 'doente'. Só vai ao hospital quem tem algum problema que não pode ser tratado ao nível dos cuidados primários de saúde (ou pelo menos deveria ser assim...). Na medicina interna habitualmente não se lida com pessoas saudáveis ou com problemas minor, pelo que o raciocínio está, inevitavelmente, mais voltado para problemas que sejam potencialmente graves. São médicos peritos na gestão de multiproblemas. Costumo dizer "se só tem um problema no coração, vai para a cardiologia; se só tem um problema nos rins, vai para a nefrologia; se tem vários problemas em diferentes órgãos ou sistemas, vai para a medicina interna".

Uma outra grande diferença é a abordagem ao utente. Nos cuidados primários, os médicos de família conhecem a família toda, às vezes até as casas dos seus utentes por dentro e por fora, sabem como são as condições de trabalho, a relação entre o casal. Tudo. Sabem tudo. Nos hospitais os médicos sabem tudo...sobre a doença do doente, não sobre o doente e a sua envolveria familiar, social e económica.

Uma outra diferença é a capacidade de investigação de um problema. Nos cuidados primários de saúde temos um leque de determinadas análises e exames de imagem que podemos pedir e não dispomos de mais que isso. Nos hospitais podem pedir todo o tipo de exames, até os mais caros e mais extravagantes. Existem situações em que eu gostaria de investigar mais um determinado quadro clínico, mas por não ter ferramentas, não por não ter os conhecimentos, sou obrigada a referenciar o meu doente as consultas do hospital.

Em resumo, diria que os médicos de família são a base do sistema nacional de saúde, são o fundamental para que a maioria das pessoas de um país tenha cuidados de saúde. Os médicos internistas são a base dos cuidados hospitalares, em conjunto com os cirurgiões gerais. São a base dos cuidados secundários, são a base de qualquer serviço de urgência hospitalar.

Cá em casa é engraçado. De crianças e grávidas o meu marido não percebe nada. Deve saber mais facilmente actuar perante um enfarte do que perante uma otite ou como gerir uma infertilidade no casal. Quantas vezes ele representa uma má notícia, diz a uma familiar que o seu ente querido faleceu. Eu ajudo com o processo de luto que se faz na família depois...
São cuidados as pessas que se interligam.sao generalistas, mas cada uma à sua maneira específica.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

7 meses depois

7 meses depois de ter começado o internato, vêm estes dias de calor que pretendo aproveitar ao máximo, em 7 dias de férias... Fazer aquilo que tive de adiar tantas vezes, por falta de tempo, falta de energia quando havia tempo.

É verdadeiramente assustador perceber que já estamos em agosto, e que daqui a 2 meses vou começar a fazer os meus estágios no hospital. Este ano faço reumatologia e pediatria... Acho sinceramente que vão ser tempos difíceis, voltar a ser vista como 'a estagiária', e não como uma verdadeira médica formada. Por saber disso, já vou sofrendo por antecedência...

Ontem consegui finalmente juntar uns bons amigos da faculdade. Cada um na sua cidade, na sua especialidade, foi espetacular de ver. Cada um já vê as coisas mais à sua maneira, e eu e outro colega de MGF, vemos as coisas na generalidade. Começam-se a alinhavar as diferenças dos raciocínios, não que isso seja mau, claro, é algo inevitável.
No meio de dois futuros internistas, um deles meu marido, e de um futuro hematologista que está a fazer o estágio de medicina interna, lá estava eu a discutir com eles casos de urgência, já que comecei a fazer alguns turnos. Confesso que senti uma 'pica' nisso...um orgulhozinho de andar metida 'nas coisas do hospital' e continuar a ser a futura médica de família.

A propósito disso, esta semana disse espontaneamente a uma colega, quando vi um carrinho de bebe no centro de saúde de dois lugares, e reconheci a mãe: 'aqueles meninas gémeas são minhas'... Foi a primeira vez que o disse. São 'minhas' porque acompanhei a gravidez da mãe, porque estava a torcer para tudo correr bem, porque estava ansiosa de as conhecer, e porque serei a continuar a acompanhar crescimento delas...

Escrever é inspiração, não obrigação!

Aos leitores assíduos e que aguardam com entusiasmo os meus posts, o meu pedido de desculpa... 

Não gosto de escrever por escrever. Escrevo não para ter mais e mais leitores ou ganhar dinheiro em publicidade, que não ganho, mas sim porque simples é puramente gosto... Por isso quando não escrevo, é porque acho que não não vou dizer nada de especial ou interessante, ou não me sinto no 'espírito'... 
Deixo só esta nota aqui porque tenho recebido algumas mensagens desagradáveis, de pessoas a sugerirem que não escrever é falta de respeito pelos leitores ou a sugerir que termine o blog... 
De facto não vejo o meu blog dessa forma, não é uma obrigação, nem pode ser, senão deixa de ser sincero. 

domingo, 8 de maio de 2016

Medicina Interna

Aos colegas que vão escolher especialidade em Junho e consideram Medicina Interna:

Sou casada com um aspirante a internista. Tenho amigas de faculdade que escolheram também esta especialidade.
Vou falar daquilo que eu vejo, que estou meia dentro do assunto, meia fora.

Para quem gosta de especialidades médicas, Medicina interna é uma especialidade muito estimuladora mentalmente, muito completa, e por isso exige muito estudo. Isso todos nós sabemos. Devo confessar no entanto que me senti admirada quando dia após dia, o meu marido chegava a casa com imensos papeis para ler...eram guidelines, eram artigos, eram revisões de tema... Ele, que não estudava lá muito na faculdade, porque lhe bastava ir às aulas e o cérebro dele era tipo esponja, sentava-se no sofá, não para ver TV, mas para ler.
Não se enganem, vão ter de estudar ou vão fazer figuras menos felizes diariamente no internamente e na urgência.

Depois, as urgências: desde que a lei mudou, e estando em hospitais que a fazem cumprir, as coisas não são más. Faz apenas e somente 12 horas/semana. Ora...isto porque está num hospital simpático, que definiu que os internos do 1º ano fazem apenas noites a partir de Julho (para terem meio ano de mais apoio, uma vez que à noite não há as especialidades todas). Também porque está num hospital simpático, não faz mais que uma urgência por semana. Não há urgências extras obrigatórias..só faz quem quer e pode...e com limite máximo de 6 urgências/mês. Em termos de organização, também não se pode queixar, uma vez que ele ficou a saber, com um ano de antecedência, que vai ter de fazer o dia de Natal. Em Janeiro, recebeu a planificação das urgências para o ano inteiro! Não pode jamais dizer, nem eu, que não sabíamos!

Sobre a formação propriamente dita: faz um pouco de tudo, que creio ser a essência da MI. Em apenas 4 meses de internato (vamos descontar o Maio que ainda vai no inicio), já diagnosticou e orientou alguns enfartes, já fez pelo menos 2 cardio-desfibrilhações na urgência que eu me lembre, porque não têm Cardiologia aos fins de semana. Já fez paracenteses, porque não há gastro disponível sempre... Também se bem lembro já fez prai umas 5 toracocenteses...lá está..porque não pneumologia de urgência.
Pelo que me conta, têm muito mais do que pneumonias internadas... Têm doenças auto-imunes para estudo, têm endocardites infeciosas, têm linfomas para estudar...e lá vão fazendo de tudo, porque não têm as especialidades todas.
Pelas contas da ordem dos médicos, é suposto um interno ter 200 doentes no internamento ao longo do ano. Ele já teve 110, em 4 meses...acho que não será difícil atingir os mínimos.
Já devem ter percebido que estou a falar de um hospital que não é central. Então para quem gosta de trabalhar, já perceberam que devem ponderar bem esta questão.

E sobre a investigação e essas trapalhadas todas, que os hospitais centrais são espectaculares e têm faculdades??? Isso é com tudo na vida meus caros...quem quer, faz! Já não estamos na primária, não temos de estar a espera que nos proponham fazer isto ou aquilo...Podemos e devemos ser nós a propor trabalhos, a mostrar o interesse...


E então?

Somos mesmo muitos internos em MGF, somos a especiliadade que mais médicos absorve por ano. Isso leva a alterações inevitáveis. Os estágios obrigatorios que antes eram de 3 meses, passaram a ser de apenas 2. Os exames finais a esses estágios, que habitualmente eram sob a forma de oral perante 2-3 especialistas, vão este ano passar a ser provas escritas, num só dia, igual para toda a região Norte. Alterações sao sempre alterações, e gostamos mais de lidar com aquilo que conhecemos na maior parte dos casos, mas não posso deixar de pensar que deverá ser mais justo assim... É provável que as notas desçam, e agora sim, vai parecer que voltamos à faculdade!, mas por outro lado, havia muitas discrepâncias nessas tais "orais".

O exame final de especialidade também foi efetuado de forma diferente este ano pela primeira vez. Agora é composto por discussão curricular, exame prático sem doente e um exame escrito de escolha múltipla de 100 perguntas, que segundo sei tinha uma bibliografia tão grande que nunca mais acaba, cheia de artigos, livros e cenas, que ainda por cima ao que parece lá se vão contradizendo. Foi um descer sem visto nas notas finais... Dos internos que se apresentaram a exame, haverá vagas para apenas 1/3 deles ficarem a trabalhar na zona norte...os restantes 2/3..nao sei... Podem ficar a trabalhar no sector privado, podem ter de mudar de casa e ir para outra zona do país, podem emigrar...São livres.

O impacto emocional que isto tem em mim é pequeno, muito sinceramente. Estou apenas no 1º ano, é provável que em 4 anos as coisas ainda mudem e voltem a remudar.
Tenho conseguido manter a minha sanidade mental no meio disto que já parece ser uma pequena selvinha de pessoas que lá se vão rindo umas para as outras, mas que no fundo devem andar a pensar "será que ele já tem mais trabalhos feitos do que eu?".
Seria muito fácil stressar com estes valores... Pensar que daqui a 4 anos apenas 1/3 dos que este ano entraram em MGF no norte, vão continuar por cá...e seria muito fácil entrar em desespero, tentar ter o melhor currículo de toda a região norte, ir a 10 cursos por ano... Acreditem ou não, todas as semanas são divulgadas jornadas, cursos, palestras, sessões clínicas, etc etc etc, que caem diretamente nos nossos emails... Tenho conhecido pessoas que dizem que é raro o fim de semana em que não têm um cursinho qualquer para fazer...
Decidi que não me vou deixar levar nessa corrente. Decidi que não vou fazer cursos que não têm interesse para a minha formação. Não vou realizar trabalhos em que eu não goste do tema. Vou ser fiel a mim mesma. Vou aos cursos de temas em que eu sinta necessidade de formação, para ser melhor, para saber tratar os meus doentes, não para "curriculite". Se vou ficar para trás? Provavelmente não, porque o espírito que me vai conduzindo dia a dia é humilde, e acho sempre que tenho de estudar mais, por isso lá vou eu fazendo imensas coisas ao mesmo tempo...

E toda esta conversa começou por eu dizer que somos mesmo muitos internos em MGF. É natural que não vá haver vagas para todos. Até lá, o que podemos fazer?? Acordar, dia a dia, e tentar ser o melhor médico de família possível, porque não temos a capacidade para mudar nem moldar nada.
Mais vale sermos felizes dia a dia.

terça-feira, 29 de março de 2016

Cansada mas entusiasmada!

Fico sempre surpreendida quando reparo que desde a ultima publicação se passaram meses inteiros, no plural. Para mim, Páscoa é em Abril, e este ano ainda não terminamos Março e já passou mais esta festividade. Deixa-me nostálgica isto!
Este primeiro ano parece-me estar a voar muito rápido. Na última publicação falava-vos do quão gratificante tinha sido fazer a minha primeira consulta sozinha. Entretanto isso tem-se repetido praticamente todos os dias, várias vezes ao dia. Tenho ganho muita autonomia, faço cada vez mais consultas. Isso trás obviamente mais cansaço, porque não há nenhum dia em que não tenha algum tema para rever, algo para estudar, algum caso para discutir...
Também no inicio deste mês fiz a minha primeira sessão de educação para a saúde, com crianças institucionalizadas, que correu muito bem e foi igualmente muito recompensador. Inscrevi-me num curso em horário pós-laboral, de doenças respiratórias, para colmatar as minhas falhas a nível do pulmão (que nunca foi órgão que lhe achasse lá muita piada) e lá tive de comprar um livro de dermatologia. Se há coisa que detesto, é dermatologia! Fico toda arrepiada com as imagens do livro, mas tive de me debruçar sobre esse gigantesco buraco negro. Nunca falta o que estudar numa área generalista! A juntar a isto tudo, um curso de Cardiologia aos sábados de manha 1x/mês e agora um sobre Diabetes, no mesmo esquema.

Tivemos connosco uma estudante de medicina do 2º ano a fazer um pequeno estágio, e deveriam ver a carinha dela quando lhe explicamos que o internato eram mais 4 a 6 anos cheios de pequenos objetivos a atingir, cheios de exames em forma de oral... Com uma cara de terror disse-nos: "eu achava que os exames terminavam quando acabássemos a faculdade..."
Pois, não. No caso da MFG, temos os exames após a conclusão de cada estágio obrigatório (obstetrícia, pediatria, psiquiatria e urgência), temos os exames para transitar de ano que englobam perguntas também sobre as áreas das opcionais que fizemos nesse ano, e temos o exame final de especialidade.
Fiquei a conhecer o meu plano de formação para os 4 anos também muito recentemente. Este ano fico na minha USF até Setembro, depois faço estágio de Reumatologia (opcional, escolhida por mim), e depois termino o ano civil com o estagio de 2 meses de Pediatria.

Cansaço misturado com entusiasmo e dedicação, é a mistela que sinto. Perguntou-me há pouco tempo atrás a minha orientadora: "Então, já decidiste se vais ficar na MGF?"
Respondi, sorrindo "Pensei que já soubesse a resposta..."
Ela retribuiu o sorriso.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Internato de Espcialidade - o início

Passou-se mais de mês e meio e eu sem dar notícias... Ou o tempo passou a correr, ou todas estas novidades foram demais para eu absorver e escrever sobre elas, ainda sem saber bem que impacto estavam a ter em mim.

Ora bem, do inicio. As festas do final do ano correram super bem, soube muito bem ter 2 semanas de férias antes de recomeçar. Olhando para trás e em jeito de reflexão, adorei ter a oportunidade de fazer o Ano Comum, tenho realmente pena que vá deixar de existir brevemente. É o ano em que os colegas mais velhos nos levam pela mão, já com a responsabilidade de sermos médicos, mas ainda muito apoiados, ainda com imensa disponibilidade para explicarem tudo o que for necessário. É o ano onde aprendemos ainda mais a ser humildes, a reconhecer os nossos limites e a saber pedir ajuda. Algo cresce em nós, a proximidade ao doente, o espírito de equipa em substituição da competição. Pelo menos foi assim para mim...

Agora falemos do internato:
A primeira semana foi caótica! E quando digo caótica, refiro-me a tudo! Reuniões atrás de reuniões, ora no ACES, ora na ARS norte. O ritmo de consulta era portanto constantemente interrompido por tardes de compromissos chatos. Dei por mim a chorar ao 2º dia, e a pensar "onde me vim meter????". Eu e e este meu problema...lágrimas demasiado perto do coração.

A segunda semana foi pouco melhor. Já sem reuniões mas com poucas consultas de MGF porque "estava a começar". Ora, quem me conhece minimamente, e diria que quem lê o meu blog assiduamente até já sabe disso, sabe que eu sou tudo menos lenta... Sou frenética! Adoro trabalhar! Adoro fazer, não gosto de estar só a olhar. Aguentei 2 consultas caladinha no início, e depois tive de perguntar à minha orientadora "também posso falar com o doente e fazer perguntas?" (ao que ela amavelmente disse "claro que sim"!). Por isso, quanto mais me diziam "vai com calma rapariga, isto é só a segunda semana", mais frustrada me sentia. À parte deste ritmo, nada a dizer das pessoas! Fui super bem recebida desde o primeiro momento, quer pelos especialistas quer pelos colegas internos mais velhos. Senti-me "adoptada" por todos, que se preocuparam em me integrar em tudo.

As coisas começam a ficar consideravelmente melhores na semana seguinte, em que já estava super à vontade nas consultas, já conhecia melhor a minha orientadora, e comecei a trabalhar num projecto de Educação para a Saúde na Comunidade. Aí sim, comecei a sentir-me mais útil, mais realizada.

Ontem as coisas atingiram um enorme pico de felicidade - fiz consultas sozinha! Saúde infantil, consulta de adultos, diabetes, hipertensão e ainda consulta aberta. E ser assim tudo variado é um extra com o qual não estava à espera. Existem USF's em que os médicos têm periodos agendados de planeamento familiar, por exemplo, ou diabetes, de uma manhã inteira... Torna-se rotineiro. As nossas consultas são sempre variadas! Ora se vê um recém-nascido, ora um adulto!

Aos que ainda estão a estudar, aqui fica uma luz de esperança:
Trabalhar de forma mais autónoma é uma alegria e uma enorme responsabilidade, mas é o incentivo maior ao estudo continuado. Ter doentes ali à nossa frente a expor problemas, na expectativa que os passamos ajudar! Na faculdade estudamos para passar nos exames, para ter uma boa média, para saber alguma coisa num futuro longínquo, quando tivermos doentes... E deixamos para amanhã e para depois porque estamos cansados de aulas... No Ano Comum também já se trabalha, mas somos tão apadrinhados e estamos em tantos estágios diferentes, muitos deles de coisas que não gostamos particularmente, que também é dificil haver motivação.
Agora já não é assim, quero mesmo estudar para saber mais, para ajudar mais, para não errar com os doentes que vejo hoje e os de amanhã! Vou fazer domicílios mas já não é passeio, quase como era antes, nem é só"giro". Agora é "fundamental"! Agora vou e venho a pensar no que se pode fazer para melhorar os cuidados àquele utente acamado, para ensinar a família a cuidar dele...

Em resumo, acho que já se percebeu: estou a gostar. Não vou desistir nem repetir exame. A MGF tem muito por onde me possa debruçar, há imenso de mim que posso dar à comunidade e onde me possa sub-especializar. Sinto-me a exercitar o cérebro a cada consulta, por isso não é monótono. E sinto-me cheia de energia! Aguardem-me...não vão faltar novidades!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O rodopio da escolha - A decisão

Há quem diga que o silêncio em certos momentos, é o melhor conselheiro da vida. Fiz silêncio durante estes dias para deixar o coração gritar em privado.
Tentar descrever-vos o que foi ter de escolher a especialidade não vai ser tarefa fácil, porque acho que serão poucas as palavras que podem dar-vos a imagem do ambiente vivido, da forma como estão as pessoas - de como estava eu -, a forma como tudo se processa. Ainda assim, vou tentar.

Os dias antes de eu escolher foram uma falsidade de concentração e alegria. Lá se tenta não pensar naquilo, dizia eu a mim mesma "só vais ver as vagas no final da manhã".."ou no final da tarde..". "Não serve de nada..." Aos olhos alheios estamos normais, a vida vai como sempre, mas por dentro não é assim. E pouco a pouco, mais uma vaga que gostava era escolhida, e mais outra, mas ainda haveria para mim uma!
O "tal" dia chegou e se há coisas para que servem escolher a especialidade, uma delas é ser dispensado do trabalho nesse dia, para "pensarmos". Fiquei em casa então a aproveitar não ter de acordar as 7h da manhã, a limpar, a passar o tempo, a "tentar não pirar" da cabeça. Quando esse tal dia chegar para vocês, se for o caso, cuidado, porque parece que o trânsito é mais e nenhum carro se mexe e há mais acidentes que no resto dos outros dias todos!!
Levava comigo a minha listinha de preferências por ordem, como todos recomendam, "porque lá não se sabem tomar decisões". E muito menos eu, que sou tão indecisa. Ainda tive tempo de telefonar as amigas mais especiais à procura de uma última luz. Qualquer coisa, só para saber se estava certa, só para não estar junto dos outros candidatos todos, os que já escolheram, os que estão à espera e são primeiro que eu, os que estão à espera a rezar para eu e as outras pessoas que estão antes deles, não escolherem a sua vaga.
O enorme problema deste ano é que não houve vagas para todos os médicos que terminam agora o Ano Comum. Isso fez com que as especialidades fechassem com notas superiores aos esperado. A famosa Coimbra, que onde Psiquiatria fechava na ordem dos 55%, fechou este ano nos 68%...E pouco a pouco, mais vagas se fechavam.
Quando finalmente chegou a minha vez, olhava para o meu papel e já todas as vagas de Psiquiatria que eu tinha em hipótese escolher, já tinham sido escolhidas. Ficavam zonas do país para as quais eu não estava disposta a ir. Quando me sentei em frente à senhora responsável e ela me perguntou: "Então doutora, o que vai ser?" eu respondi: "MGF" e chorei como eu acho que nunca ninguém deve ter chorado naquela sala... Foi a vergonha nacional! Às vezes adorava conseguir ser menos transparente.

Chorei naquele momento, depois e nos dias seguintes. Repensei mil vezes se não deveria ter ido para as tais zonas do país onde não queria estar. Revivi aquele momento mil vezes e não encontrava paz. Chorei com a mesma vontade, o mesmo desespero, que chorei a primeira vez, quando terminei de corrigir o meu exame, há um ano atrás. A mesma sensação de injustiça em relação à minha nota/esforço. Chorei por não saber se o meu marido conseguiria entrar no que ele queria, perto de mim.
MGF estava na minha tal listinha de preferências que levei comigo naquele dia e durante este ano pensei várias vezes nisso. Foram muitas as vezes que pensei que iria sentir saudades da parte mais médica, mais objectiva, em prol da subjectiva da Psiquiatria, como fui partilhando aqui. Mas não tive tempo de digerir em minutos o facto de alguém, poucos lugares acima de mim, ter escolhido a ultima vaga de Psiquiatria que eu gostava. Pareceu-me como uma derrota, ali tão perto de mim e eu não a ter conseguido agarrar.

Já faz dias que não choro, nem tenho vontade disso e me sinto optima. Neste tempo, em que estive em silêncio, o meu marido escolheu a especialidade dos sonhos dele, mesmo ali ao lado da minha futura USF. Foi aí que a alegria começou a ser outra. Agarrei-me ao que tenho, ao que conquistei e às possibilidades do futuro. Fui conhecer a minha USF e orientada de especialidade, e fui super bem recebida. Ponderei repetir exame, enfim, ponderei tudo, mas aos poucos fui colocando essa hipótese mais de lado (embora não esteja arrumada). Ao repetir exame, voltaria a entrar na especialidade apenas em Julho de 2017...parece-me demasiado tempo sem exercer medicina. E fará sentido mudar de especialidade sem sequer ainda ter experimentado à séria o que isto de ser médica de família? Aos poucos as incertezas deram lugar à vontade de ser a melhor médica das redondezas. Hoje sei que não foi sequer uma luta, foi o acaso aquele colega ter escolhido o que escolheu.

Isso é mais difícil de digerir neste processo todo - não estamos dependentes de nós mesmos..não é um exame. Estamos dependentes das escolhas de quem está a nossa frente e é como a causa-efeito "do bater das asas da borboleta". A minha decisão influenciou a escolha de outros e assim sucessivamente, até entrar o acaso, até entrar o azar e a sorte, o destino, quem sabe.