domingo, 18 de setembro de 2016

Diferentes especialidades, diferentes racicionios

Alguém me perguntava se eram mesmo diferentes as especialidades de mgf e medicina interna, uma vez que são ambas especialidade generalistas.

Sim, são diferentes, sem prejuízo para nenhuma delas.
A população alvo dos cuidados não é a mesma, e por si só, isso já faz com que exista uma discrepância. Nos cuidados primários de saúde, na mgf, a população alvo são todas as pessoas, de todas as idades e de ambos os sexos, independentemente do seu estado de saúde ou doença. Há uma enorme variedade e uma grande porção dedicada a prevenção da doença e promoção e saúde. Prevê-se que 80-90% de todos os problemas ou fases de um indivíduo ao longo da vida possam ser diagnosticadas e/ou seguidos no seu médico de família.
O médico de família necessita ter a aptidão de dominar todos os problemas que possam ser resolvidos ao nível dos centros de saúde, de todas as áreas de medicina, ou seja, esses 80% dos problemas ou fases das vidas das pessoas. Exemplos de 'fases' de vida que necessitam de cuidados, embora não representem necessariamente doença, são as etapas de crescimento de uma criança ou uma gravidez. Adicionalmente, não pode deixar escapar um sintoma ou um sinal clínico que possa indiciar um problema potencialmente grave, que careça de tratamento mais específico, por exemplo, nos hospitais.
O raciocínio tem por isso de ser versátil. Ora se faz uma consulta um jovem saudável, ora se vê um idoso com uma lista de 15 medicamentos para gerir. O raciocinio está mais voltado para o que é comum e mais prevalente, mas não pode deixar de se pensar no que é raro e potencialmente fatal.

Na medicina interna, e nas urgências dos hospitais, onde os médicos internistas fazem turnos semanalmente, há uma seleção da população. Não contactam com a população geral, mas sim com uma população já pre seleccionada, 'doente'. Só vai ao hospital quem tem algum problema que não pode ser tratado ao nível dos cuidados primários de saúde (ou pelo menos deveria ser assim...). Na medicina interna habitualmente não se lida com pessoas saudáveis ou com problemas minor, pelo que o raciocínio está, inevitavelmente, mais voltado para problemas que sejam potencialmente graves. São médicos peritos na gestão de multiproblemas. Costumo dizer "se só tem um problema no coração, vai para a cardiologia; se só tem um problema nos rins, vai para a nefrologia; se tem vários problemas em diferentes órgãos ou sistemas, vai para a medicina interna".

Uma outra grande diferença é a abordagem ao utente. Nos cuidados primários, os médicos de família conhecem a família toda, às vezes até as casas dos seus utentes por dentro e por fora, sabem como são as condições de trabalho, a relação entre o casal. Tudo. Sabem tudo. Nos hospitais os médicos sabem tudo...sobre a doença do doente, não sobre o doente e a sua envolveria familiar, social e económica.

Uma outra diferença é a capacidade de investigação de um problema. Nos cuidados primários de saúde temos um leque de determinadas análises e exames de imagem que podemos pedir e não dispomos de mais que isso. Nos hospitais podem pedir todo o tipo de exames, até os mais caros e mais extravagantes. Existem situações em que eu gostaria de investigar mais um determinado quadro clínico, mas por não ter ferramentas, não por não ter os conhecimentos, sou obrigada a referenciar o meu doente as consultas do hospital.

Em resumo, diria que os médicos de família são a base do sistema nacional de saúde, são o fundamental para que a maioria das pessoas de um país tenha cuidados de saúde. Os médicos internistas são a base dos cuidados hospitalares, em conjunto com os cirurgiões gerais. São a base dos cuidados secundários, são a base de qualquer serviço de urgência hospitalar.

Cá em casa é engraçado. De crianças e grávidas o meu marido não percebe nada. Deve saber mais facilmente actuar perante um enfarte do que perante uma otite ou como gerir uma infertilidade no casal. Quantas vezes ele representa uma má notícia, diz a uma familiar que o seu ente querido faleceu. Eu ajudo com o processo de luto que se faz na família depois...
São cuidados as pessas que se interligam.sao generalistas, mas cada uma à sua maneira específica.

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