Há sempre pessoas com quem sentimos
mais empatia. Aquela era uma senhora de 80 anos, independente para as suas
atividades da vida diária, extremamente atenciosa, que eu adorava receber nas
consultas de vigilância. De mês a mês lá vinha ela, toda bonita e sorridente,
saber se se tinha comportado bem e o seu INR estaria ou não bem.
Certo dia fui eu quem fez a consulta, sozinha:
“Bom dia, Sra. Ana, faça o favor de
entrar e de estar à vontade.” – Introduzi eu. Ela cumprimentou-me e sentou-se
devagar, porque a idade não perdoa a partir de certa altura.
“Hoje serei eu a fazer-lhe a consulta,
se não se incomodar com isso.”
“Não, claro que não!” – já a preparar o
dedo para a picadinha. E depois continuou: “Sabe doutora, há pessoas que não
gostam de ser atendidas por médicos mais jovens, porque dizem que não sabem
nada. Eu acho isso uma estupidez, desculpe-me a palavra. Eu confio plenamente
na doutora, porque se aí está é porque sabe o que está a fazer.”
Foi a primeira vez que alguém me dizia
de forma tão direta o que todos nós sabemos. Não é por acaso que o meu marido
deixou crescer barba desde que entrou na faculdade de Medicina e nunca mais a
cortou por completo. Diz que se o fizer, os doentes não confiam nele. E não é
por acaso que se nota um esforço de transformação, de crescimento, das médicas
quando começam a trabalhar. Até as que dantes não ligavam nada ao que vestiam e
à forma como apareciam na faculdade, começam a usar um pouco de base na cara e
uma sombrazinha. Aquela senhora tocou em questões bem pertinentes – seremos nós
preparados o suficiente nos tempos de estudo para o que de facto se passa numa
consulta? Não, autonomia não se aprende na faculdade nem sou a favor dela logo
após o seu término. A nossa imagem é importante para demonstrarmos aos outros
que sabemos o que fazemos? Claro que sim! Confiaríamos da mesma forma num
advogado que em vez do fato e gravata usasse calças de ganga rasgadas e uma
T-shirt decotada e de manga cava a mostrar a enorme tatuagem de uma caveira no
deltóide? São claro juízos de valor, mas todos os nós os fazemos, todos os
dias.
Naquela consulta de vigilância de INR
eu de facto sabia o que estava a fazer, e sabia o que teria de alterar e como
caso o resultado não estivesse dentro dos parâmetros objetivados. Naquela
consulta eu podia e fui realmente autónoma. Acho que o mais importante é ter
noção de si mesmo. Alguém que se dedica demasiado à vontade de parecer melhor
do que o que realmente é, ilude-se. Pedir ajuda, parar quando não se sabe qual
o é o próximo passo, perguntar como e porquê – aquilo a que se resumo a ser
humilde – parece-me a melhor forma de se evoluir.
Confiança é algo que o doente jamais
poderá deixar de sentir numa relação
médico-doente. Como poderá o doente seguir a medicação prescrita se não
estiver devidamente esclarecido, se não confiar que aquele médico sabe o que
está a fazer? Muitas foram as vezes que assisti a pessoas virem ao consultório
dizer que foram à consulta desta ou daquela especialidade, ou foram à urgência
do hospital, e que lhes foi prescrito isto ou aquilo. Mostram as receitas ainda
por comprar ao seu Médico de Família e depois perguntam: “Isso está bem?” Será
que as pessoas são sempre e todas elas desconfiadas, porque a mãe natureza
achou que a desconfiança era uma excelente proteção, ou serão os médicos,
especialmente os mais jovens, que não sabem transmitir essa tão grande
necessidade – confiança?
Mas e explicar isto aos nossos colegas, que acham Introdução à Medicina e relação médico-doente coisas inúteis e chatas?
ResponderEliminar(desculpa o desabafo :P)
Olá!
ResponderEliminarEstou neste momento a fazer o estágio de MGF (ainda como aluno do 6º ano). É dos estágios que mais estou a gostar, não só pela diversidade de patologias, mas principalmente pela diversidade de pessoas. Só tenho pena de não haver tempo. E ainda agora querem que os médicos de família tenham 2500 cada. Coitados dos doentes e coitados dos alunos que estiverem com esses médicos, já que anamnese/exame físico bem feitos são quase utopia.
Gostaria de ter mais perfil para MGF...
Quanto ao assunto do tópico, discordo um pouco da tua opinião. Não sou a favor de uma postura desleixada, porque nunca a tive, de mim. A bata serve para protecção, não é? Não apenas dos micróbios, mas também como uma barreira entre o que somos e os médicos que somos. Não acho certo que se use maquilhagem, ou se deixe crescer a barba (que são "coisinhas") só para se parecer mais confiável, menos jovem ou menos inexperiente. Ao contrário de um advogado ou de um DPM, não tenho que "vender" imagem aos doentes, se calhar porque não tenho concorrência (e ainda bem, coitadinho de mim :p).
Percebi o teu ponto de vista, mas enquanto parecer miúdo vou-me aproveitando dos elogios das velhinhas a dizer que sou um Sr. Dr. muito novinho, para bem delas, é bom que confiem em mim, um dia eheh.
PS: se fizeste psiquiatria em coimbra deves ter reparado que muitos dos médicos não querem saber das aparências e nem por isso têm pouco sucesso terapêutico :p
André
Olá André!
EliminarA questão e que o "Sr.dr." novinho de agora é um estudante ou "estagiário". Quando fores médico e estiveres num consulta sozinho no centro de saúde, como eu descrevi neste caso, vais ver que vai haver pessoas simpáticas como está velhinha como as velhinhas que agora encontras, mas as pessoas mais jovens não reagem da mesma forma e aí, toda a ajuda vai ser pouca... Sobre maquiagem e afins, tudo dentro dos limites sempre... Sou completamente contra unhas de gel e adereços que favoreçam a propagação de microrganismos.
Na psiquiatria creio que as coisas vão mais por outros aspectos...tudo depende do que a população espera. E de um psiquiatra espera-se uma imagem tipo meio descabelado, desleixado, uma meia idade a tender para lá...esses são os psiquiatras que inspiram confiança a meu ver....olha-se para eles e já se sabe que levam anos e anos de experiência. Enfim... A roupa foi só um assunto para se refletir....mas a mensagem principal e outra é está logo no título e deixo depois a reflexão final... É preciso sabermos transmitir confiança!