sexta-feira, 27 de março de 2015

Crónicas e Reflexões de uma Interna em MGF - Os Médicos da Comunidade

(NOTA: Todos os relatos aqui referidos são baseadas em factos reais. Para preservar a identidade das pessoas às quais me refiro, alterei os seus dados biográficos.)


Basta deixar-nos perder pelas ruas menos populosas e mais distantes do centro da cidade e encontramos uma nova realidade. Não parece a mesma, não parece sequer o Portugal dos castelos turísticos. Ali as casas são tijolos sem revestimento, a comida é feita na lareira para se economizar mais um pouco de gás, e a minúscula sala de estar, se assim se poder descrever, é agora o quarto do doente acamado. Cheira a fumaça.
Também as pessoas são diferentes das que se vê na cidade. São mais humildes, mais gratas, e fazem questão de oferecer as laranjas que estão a cair ao chão pelo excesso que brotou da árvore, pois afinal, “estragar é pecado”.
Quando entramos vê-se no rosto daquele casal um misto de gratidão e vergonha por ali estarmos. Eu sou afinal de contas, e apesar de ser devidamente apresentada como a Interna que está a acompanhar o médico, uma anónima em sua casa. O seu médico de família não, não é um desconhecido. Aqui o médico é a pessoa que sabe já de cor onde moram e já não se admira com a falta de condições, embora sempre o impressione. Nos domicílios ou no Centro de Saúde, se a doença alivia um pouco e os deixa sair de casa, o ambiente em que se encontram é sempre já familiar, e não as urgências ou um consultório impessoal do hospital.
É claro que os médicos estão a fazer o seu trabalho, e como tal ganham também por fazer domicílios, mas gosto da ideia romantizada de que é impossível não fundir um pouco o trabalho propriamente dito com um toque especial de humanidade. São os velhinhos quem mais necessita e aprecia a visita e cuidados do médico, e no meio da solidão ou da pobreza que muitas vezes se associam, uma cara conhecida, as explicações repetidas com muita calma, faz a diferença. Gosto de pensar que mais que um emprego ou pelo trabalho, há uma missão, e que essa missão melhora, nem que seja um pouco, o mundo e a vida das pessoas.

Sem comentários:

Enviar um comentário