É bem verdade que por vezes demoro imenso tempo para escrever, e peço desculpa a todos que aguardam noticias minhas de forma ansiosa. Não era minha intenção provocar esse tipo de reação. Há muitas vezes que olho para a página do blogger, que está nos meus favoritos, e penso: "devia escrever qualquer coisa..." mas depois, por um motivo ou outro, não sinto a inspiração que gosto de sentir para o fazer... Mas agradeço humildemente a chamada de atenção.
Respondendo ao que alguém perguntava: "como está a correr o estágio?":
O meu estágio de medicina interna terminou esta sexta feira. Durante dois meses, acordei todos os dias da semana às 7h20, para garantir que jamais me atrasaria (apesar de viver a 10 minutos a pé do hospital). Os meus tutores eram rigorosos nos horários e a única vez que cheguei às 8h32 (sem mentiras, foi mesmo às 8h32), ouvi um sermão do tamanho do mundo! Foi a primeira e a última, e nem vale a pena dizer que não foi culpa minha o atraso...
Eu sou claramente uma pessoa cirúrgica. Gosto de "fazer", ver "acontecer", "intervir directamente". Sempre fui e sempre serei assim em Medicina. Por isso internar uma alguém para estudar uns determinados sintomas esquisitos ou internar um velhinho que vai precisar de 10 dias de antibiotico para curar a pneumonia, é muito interessante, realmente é e respeito imenso os colegas que o fazem, mas não me realiza. O meu momento auge do dia (em termos médicos) era quando eu tinha de ir fazer gasometrias (acto médico que consiste em tirar sangue de uma artéria)! E nos dias em que não havia "gasosas" para fazer, ou não havia consultas com o prof. para assistir ou urgências para fazer, parecia que tudo passava devagar.
Apesar disso, entrei todos os dias naquela enfermaria com um sorriso no rosto, com um "bom dia" cheio e pleno e a esperança de poder ajudar alguém. Diversos foram os casos de pessoas que me disseram frases que me enchiam o coração para a semana inteira e foi por elas que fiz este estágio, e certamente foi graças a elas que consegui uma boa nota... Nunca me irei esquecer do Sr. José, de 75 anos, que me disse numa segunda-feira quando cheguei perto da cama dele: "oh senhora doutora, estou aqui cansado de pensar em si, a ver quando me viria ver...". E ele não me queria fazer nenhum pergunta, não queria queixar-se de nada, só queria "conversar" comigo... e lá ficamos os dois à conversa um bom bocadinho... As velhinhas a cantar, algumas tocadas pela sua demencia, a dizer tudo quanto pensam...
O que mais gostei foram sem dúvida "os meus velhinhos", como me costumava referir a eles... Sempre achei tão sábia a velhice, tão inocente e tão vivida, e só espero puder lá chegar.
E o que menos gostei e mais me doeu foi ver que alguns médicos se tornam insensíveis aos gemidos de alguém, ficam chateados quando um senhor demenciado, que não sabe bem o que está a fazer, tira as sondas nasais ou o soro, ou insiste em levantar-se sozinho nu para ir ao wc... Peço ao universo que não deixe que a rotina, as frustrações da vida, ou qualquer outra coisa me torne numa médica fria e "habituada" ao sofrimento dos outros, como se isso não pudesse ser mudado, como se não houvesse esperança...
Agora que esta etapa já foi concluída, aproveito as férias para dormir até às 11h, para estudar à tarde o "harrison" e para aproveitar o calor da lareira e dos pais à noite. Mata-se saudades do afilhado (que entretanto já tem 10 meses), e espera-se com entusiasmo e calma o novo ano, as novas etapas que por aí virão...
O próximo estágio é Psiquiatria, durante um mês. E depois disso, é ESPANHA.